Projeto, desenvolvido há anos, inclui aporte de US$ 350 milhões, mais Viva e Sky e tem como foco criar maior grupo de transporte da AL
Os controladores da Gol e os maiores acionistas da Avianca Colômbia assinaram ontem à noite o primeiro passo para criação do maior grupo de transportes da América Latina. Após anos de conversas, a família Constantino, dona da empresa brasileira, e os principais sócios da Avianca fecharam um acordo para aportar as ações que possuem nas companhias aéreas dentro de uma nova holding, chamada Abra, que assumirá o papel de controladora dos negócios e terá sede no Reino Unido.
Após as aprovações regulatórias necessárias, nascerá então o Grupo Abra. A soma das marcas abrigadas direta ou indiretamente equivale a uma receita anual da ordem de US$ 7 bilhões e possui uma frota de 300 aeronaves
O grupo receberá uma capitalização de US$ 350 milhões em recursos novos, de um conjunto de investidores — com destaque para Elliott International, Kingsland e South Lake. Esses fundos tornaram-se acionistas da Avianca após a reestruturação da dívida da companhia.
Além de ser controlador da Gol e da Avianca, o Abra vai deter uma participação não controladora, mas com 100% dos interesses econômicos, na Viva (Colômbia e Peru) e um investimento em dívida conversível que equivale a uma fatia minoritária na Sky Airline, do Chile — há menos de um mês, o CEO da Sky, Holger Paulmann, já falava abertamente da possibilidade de uma fusão com Avianca. Dentro do grupo também estarão os programas de fidelidade Smiles e LifeMiles.
Desde sua idealização, o plano visa criar um ambiente de maior estabilidade para o desenvolvimento e crescimento de cada companhia controlada — uma espécie de corporação mãe que cuidará da evolução das empresas operacionais, por meio de uma gestão eficiente e combinada da infraestrutura de todas. A meta é ter a maior malha de rotas complementares na região, com sobreposição mínima nos mercados e foco, claro, nas operações de baixo custo. A leitura é que nenhuma delas consegue, com as instabilidades que hoje atingem o ambiente de negócios nas suas mais diversas frentes, ser efetivamente uma atividade ‘low cost’ para os usuários, como era a Gol logo que chegou ao mercado.
As companhias aéreas vão seguir com suas atividades de forma independente e com suas marcas, tais como são hoje — e ainda com suas próprias lideranças. A diferença é a nova organização do controle. Mas também não há reflexos para os acionistas de mercado nesse momento. O potencial estimado do grupo já para os próximos anos é de uma receita de US$ 10 bilhões, com uma expansão de frota que poderá abrigar 500 aeronaves.
A família controladora da Gol será a maior acionista do Abra em sua estrutura inicial, com uma fatia da ordem de 30%, e Constantino de Oliveira Junior assumirá como CEO da nova holding. “Este acordo coloca as companhias aéreas do Grupo Abra em posição de liderança em viagens aéreas na América Latina, atendendo a uma população de mais de um bilhão de pessoas e um PIB de quase US$ 3 trilhões, e oferecendo oportunidades significativas de capacidade e crescimento de receita. A estrutura corporativa única permitirá que cada companhia aérea gere resultados mantendo independentes suas marcas, equipes e cultura, e proporcione aos colaboradores mais oportunidades de crescimento pessoal e profissional em todas as fases de suas carreiras”, afirma Junior, em nota sobre o negócio.
Apesar da maior participação da família dona da Gol, o grupo será governado por meio de um acordo de acionistas, em regime de co-controle com os principais sócios de Avianca. Roberto Kriete, co-fundador e uma das principais figuras da empresa colombiana, será o chairman do Abra. “Nossa visão é criar um grupo de transporte aéreo que enderece os desafios do século 21 e aprimore as viagens aéreas para nossos clientes, colaboradores e parceiros, bem como para as comunidades em que operamos”, diz Kriete no comunicado.
Adrian Neuhauser, atual presidente e CEO da Avianca, e Richard Lark, atual CFO da Gol, serão co-presidentes do grupo, enquanto mantêm suas atuais funções nas companhias aéreas.
Os gestores estarão dedicados a obter “sinergias para garantir uma estrutura de menor custo unitário nos respectivos mercados de operação, na expansão das rotas, na oferta de produtos de serviços e dos programas de fidelidade”, segundo as empresas.
As operações de carga também deverão merecer atenção para serem uma frente de crescimento no transporte aéreo da América Latina e outras regiões. Recentemente, Gol e Mercado livre anunciaram um contrato de dez anos, cuja perspectiva é gerar uma receita de R$ 1 bilhão em cinco anos para a companhia área brasileira.
O objetivo é que o grupo também atue para ser líder na transformação ESG do setor nos mercados em que atuar, com investimento em “uma frota com menor pegada de carbono, que possa acelerar significativamente o caminho em direção ao cumprimento das metas de neutralidade de carbono”.
Apesar de ter acertado o setor em cheio, e criado desafios novos em um projeto que vinha sendo há anos acalentado e negociado, a pandemia também trouxe a quietude necessária que levou ao engajamento de todos os personagens envolvidos, conforme avaliação de fontes que participaram da estruturação da transação.
Evercore e RBC Capital Markets atuam como consultores financeiros e Milbank LLP, como consultor jurídico do Grupo Abra. Gibson, Dunn & Crutcher LLP cuidaram da assessoria jurídica a alguns investidores e Lefosse Advogados e Brasilpar assessoram o acionista controlador da Gol.
Ao longo dos últimos anos, tanto Gol como Avianca estiveram concentradas em organizar cada qual suas operações. Mas ambas chegam à transação com a casa arrumada. A Gol reintegrou a Smiles e fez todo um projeto de gestão de compromissos, que incluíram aporte de recursos pelos controladores e também pela American Airlines (dentro de um programa de compartilhamento de voos). Já a Avianca, depois que saiu da recuperação judicial, não perdeu tempo e selou a parceria com a Viva.
Estão envolvidos na criação da Abra e ligadas ao negócio diversos dos maiores nomes do setor, além da família Constantino, que redesenhou o setor de aviação no Brasil após o lançamento da Gol em 2001. Kriete transformou a Taca na principal companhia aérea da América Central, na década de 1980, e fez a fusão com a colombiana Avianca Airlines em 2009. Além disso, fundou a Volaris, principal companhia aérea mexicana, em 2006. Na parceria com a Viva, está Ryan Declan, co-fundador da companhia, executivo e empreendedor com mais de 30 anos de experiência no setor.