Um ano após o impacto global do chamado “caso dos estupros de Mazan”, apenas um dos 51 acusados será julgado em segunda instância a partir de 6 de outubro, em Nîmes, no sudeste da França, com a presença de Gisèle Pelicot, que está decidida a “ir até o fim” nesse processo.
“Ela preferiria não passar por essa provação novamente”, mas “vem para afirmar que estupro é estupro, que não existem ‘estupros menores’”, declarou à AFP um de seus advogados, Antoine Camus.
Gisèle Pelicot, de 72 anos, foi drogada com ansiolíticos por seu ex-marido durante uma década, com quem dividiu 50 anos de vida, sendo depois violentada por ele e por dezenas de homens que ele recrutava pela internet, especialmente na residência do casal em Mazan, no sudeste da França.
Diferentemente do primeiro julgamento, que ocorreu em Avignon e durou quatro meses, onde Gisèle Pelicot enfrentava cerca de cinquenta acusados diariamente, desta vez será contra apenas Husamettin D., que comparecerá em liberdade.
Em dezembro, o tribunal criminal de Vaucluse sentenciou Husamettin D. a nove anos de prisão, mas ele recebeu um mandado de prisão suspenso por questões de saúde.
“Não sou um estuprador, isso é uma acusação muito pesada para mim. Foi o marido dela, eu jamais imaginei que aquele homem pudesse fazer isso com a própria esposa”, defendeu-se o operário da construção civil de 44 anos no primeiro julgamento.
Inicialmente, outros 16 homens também recorreram da sentença, mas desistiram um a um.
Husamettin D. declarou que irá manter seu recurso completo, tanto em relação à sua condenação quanto à pena, afirmou sua advogada Sylvie Menvielle em junho. Ele é assistido no recurso pelo penalista Jean-Marc Darrigade.
Na primeira instância, o réu alegou ter sido manipulado pelo principal acusado, Dominique Pelicot. Diferente dessa versão, o septuagenário nega veementemente as acusações. Ele foi condenado a 20 anos de prisão, mas não recorreu e terá o papel apenas de testemunha neste novo julgamento.
Ele será retirado da prisão, onde está em regime de isolamento, para testemunhar na tarde do segundo dia de audiência.
“Dominique Pelicot não pretende alterar sua postura ou visão durante o julgamento, e em Avignon disse: ‘Sou um estuprador, e todos os homens nesta sala são estupradores’”, disse à AFP sua advogada Béatrice Zavarro.
Dos 51 acusados, a maioria foi reconhecida culpada de estupro e condenada a penas que variaram de três a 15 anos de prisão, sendo dois anos com sursis para um aposentado julgado apenas por agressão sexual, e até 15 anos para um homem que violentou Gisèle Pelicot seis vezes.
Husamettin D. relatou que em dezembro de 2019 conheceu pela internet um homem que se apresentava como membro de um ‘casal liberal’, cuja esposa supostamente ‘fingia estar dormindo’. Naquela noite, ele abusou do corpo inconsciente de Gisèle Pelicot por pelo menos meia hora, percebendo algo errado apenas ao ouvir seus roncos. Afirmou ter saído apressadamente e não alertou as autoridades.
Este novo julgamento conta com mais de 100 jornalistas credenciados, refletindo a atenção mundial a um caso que trouxe debates intensos sobre violência sexual, consentimento, submissão química e a definição legal de estupro.
Ao optar por um julgamento público em vez de fechado em Avignon, para mudar a vergonha de lado, Gisèle Pelicot tornou-se, mesmo sem intenção, um símbolo feminista global.