O ministro Luiz Fux divergiu da maioria da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a decisão de impor restrições ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inclusive o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica. Em seu voto com cinco páginas, o ministro destacou que a decisão pode parecer um julgamento antecipado e ressaltou que há uma restrição à liberdade de expressão.
Em outras ações penais relacionadas aos eventos de 8 de Janeiro, Fux já havia apresentado algumas divergências pontuais em relação ao ministro Alexandre de Moraes, sempre acompanhando o relator. Porém, desta vez, ele discordou totalmente das medidas adotadas por Moraes contra Bolsonaro. Para Fux, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República não apresentaram provas novas e concretas que justifique uma tentativa de fuga do ex-presidente.
Ele ressaltou que as medidas impostas ferem direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão, sem que exista demonstração clara e suficiente para a aplicação dessas medidas cautelares.
Fux ainda afirmou que as questões econômicas mencionadas pela Polícia Federal, relativas a sanções do governo dos Estados Unidos, devem ser solucionadas nos meios políticos e diplomáticos, com o apoio do Presidente da República e do Congresso Nacional.
O ministro também destacou que o Supremo Tribunal Federal tem mostrado sua independência e resistência às pressões externas e ressaltou que os juízes julgam com base em sua convicção e nos fatos de cada caso.
Além disso, Fux criticou a proibição prévia e geral do uso das redes sociais prevista nas medidas cautelares, afirmando que isso entra em conflito com a garantia constitucional da liberdade de expressão.
No dia 18 de março, o ministro Alexandre de Moraes encaminhou a decisão para a Primeira Turma, que em menos de 24 horas confirmou a manutenção das medidas restritivas contra Bolsonaro. Os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia acompanharam o relator, concordando que houve tentativa coordenada de obstrução do processo por parte do ex-presidente e de seu filho, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro.
Moraes afirmou na decisão que pai e filho lideram uma campanha para dificultar o andamento da ação penal, buscando interferir no processo judicial por meio de pressão externa, o que configura uma ameaça à soberania nacional.
Fux aguardou até o último momento para apresentar seu voto, pois o regimento do STF prevê que ministros que não votam dentro do prazo são considerados ausentes.
Essa expectativa aumentou após o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciar a suspensão dos vistos americanos de Moraes e de outros sete magistrados da Corte em retaliação, medida que poupou Fux, André Mendonça e Kassio Nunes Marques.
Julgamento
Pouco depois do início da votação virtual, a maioria da Primeira Turma decidiu manter as medidas cautelares, aceitando os argumentos de Moraes. Flávio Dino defendeu a possibilidade concreta de fuga para os EUA, conforme indicado pela Procuradoria-Geral da República.
Cristiano Zanin e Cármen Lúcia também apoiaram a decisão, com esta última considerando as medidas adequadas.
Desde o começo da ação penal, que envolve 31 réus, incluindo Bolsonaro, ex-ministros e generais, a Primeira Turma tem apoiado unanimemente as decisões de Moraes.
Fux permanece como a voz contrária a esse entendimento.
Divergências
As discordâncias entre os ministros começaram no julgamento sobre a aceitação da denúncia contra os acusados de liderar o plano golpista para manter Bolsonaro no poder após a derrota em 2022.
A denúncia foi aceita por unanimidade, mas Fux fez ressalvas e indicou que poderia aceitar parcialmente as teses dos réus durante o julgamento do mérito.
Ele tem argumentado contra a punição da tentativa de golpe como se fosse um crime consumado e defende a distinção entre atos preparatórios e execução do crime.
Fux também expressou dúvidas sobre a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-assistente de Bolsonaro.
Além disso, sugeriu que os processos deveriam acontecer na primeira instância ou em plenário do STF.
Fux recomendou pena menor para a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que escreveu com batom a frase “Perdeu, mané” na estátua da Justiça durante protestos no 8 de Janeiro. Ele considerou exagerada a sentença de 14 anos prevista por Moraes, embora o voto final tenha sido este último.
A posição de Fux levou Moraes a reforçar seu voto com argumentos para contestar o colega, afirmando que a situação da cabeleireira não difere significativamente das demais condenações relacionadas aos atos golpistas.