Cada vez mais casais homoafetivos têm recorrido à reprodução assistida para realizar o sonho da maternidade. Uma técnica que tem ganhado destaque é a FIV com participação ativa das duas mães — conhecida como Ropa, sigla para Recepção de Oócito da Parceira, na qual uma mulher doa os óvulos e a outra gera o bebê.
Esse foi o caminho escolhido por Emanuele Caroline Araújo da Silva e Priscilla Garcia Pereira, de Brasília, que estão juntas há 17 anos. Depois de um percurso marcado por dúvidas, várias tentativas e muita esperança, elas conseguiram engravidar e hoje são mães dos gêmeos Antônio Lucas e João Emanuel, de 4 anos.
“Sempre falamos em ser mães, porém em situações distintas”, conta Emanuele, 38 anos. Ela sempre teve o sonho de adotar, enquanto Priscilla, 40 anos, desejava gerar seus próprios filhos.
Entre incertezas e mudanças de planos, elas encontraram na técnica Ropa a chance de ambas participarem do processo de concepção de forma direta. Uma doou os óvulos e a outra gestou os filhos. Foi o mesmo método escolhido por outras mães recentemente.
Busca pelo método ideal
A primeira tentativa foi a fertilização in vitro convencional em Brasília, mas a epidemia de zika vírus em 2015 atrasou os planos. Em 2016, chegaram a iniciar o processo de adoção, mas não passaram da primeira etapa. “Queríamos construir uma família, só não sabíamos ainda como seria”, relata Emanuele.
Em 2019, o cenário mudou quando conheceram um casal que havia usado o método Ropa. Animadas, buscaram mais informações e encontraram uma clínica que oferecia redução de custos mediante doação parcial dos óvulos. Chamada carinhosamente por elas de “método dos sonhos”, a técnica permitiu parte do processo à distância com consultas e exames online. Após isso, foram a São Paulo para coletar os óvulos e preparar a implantação dos embriões.
A primeira implantção não teve sucesso. “Foi um golpe, pensei em mudar de plano, mas mantivemos nosso objetivo”, lembra Emanuele. Na segunda tentativa, com dois embriões transferidos, o teste deu positivo em 26 de fevereiro de 2020, dia do primeiro caso registrado de Covid-19 no Brasil.
Gestação compartilhada
A técnica Ropa possibilita que ambas as mulheres participem geneticamente da gestação. Uma é mãe genética e a outra mãe gestacional. “Mesmo sem gestar, vivi tudo junto. Tive enjoos, senti desejos, até as contrações parecia que eram minhas”, conta Emanuele.
A ginecologista e especialista em Reprodução Assistida, Hitomi Nakagawa, membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), explica que o método também é chamado Gestação Compartilhada. Uma parceira tem os ovários estimulados hormonalmente e doa os óvulos; após fertilização laboratorial com sêmen de doador, embriões são transferidos para o útero da parceira gestante.
As taxas de sucesso são comparáveis às da fertilização in vitro tradicional, dependendo da qualidade dos óvulos, idade e saúde do casal. Contudo, o acesso ainda é restrito devido ao alto custo e ausência de cobertura pelos planos de saúde.
Sonho realizado
Os gêmeos Antônio Lucas e João Emanuel nasceram prematuros, com 34 semanas, e passaram um tempo na UTI neonatal. O susto deu lugar à felicidade ao verem seus filhos chamando-as de mamães, confirmação do caminho escolhido, revela Priscilla.
Para Emanuele, maternidade vai além da gestação. “Nada é mais especial do que o abraço e o ‘eu te amo’ de um filho tão desejado. Família se constrói com amor, cuidado e a decisão diária de estar presente”, afirma.
Atualmente, elas dividem a rotina com os filhos e compartilham sua história para inspirar outros casais a acreditarem na própria jornada. “Preconceitos e estruturas limitantes podem tentar barrar, mas o desejo de amar e formar uma família é mais forte”, destaca.