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sexta-feira, 21/11/2025




Fim do seguro DPVAT deixa muitas pessoas desamparadas e Defensoria Pública busca solução

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Em Brasília

Laryssa tinha pouco mais de 20 anos quando viu seu sonho ser interrompido. Cinco anos após se casar com o namorado que conheceu na igreja, aos 17, ela recebeu a notícia de que seu companheiro, Ramon de Jesus Silva, havia morrido em um acidente de trânsito. Ele tinha 28 anos e pilotava uma moto quando colidiu frontalmente com um poste na Rodovia Serafim Derenzi, em Vitória, capital do Espírito Santo.

O jovem era entregador e trabalhava no momento do acidente. Segundo Laryssa, Ramon perdeu o controle da moto ao tentar desviar de um carro que invadiu a contramão. Era sábado à noite, 2 de março de 2024. Ramon faleceu no local, deixando uma jovem viúva em situação de vulnerabilidade.

Ramon de Jesus Silva morreu com 28 anos em um acidente na Rodovia Serafim Derenzi, em Vitória.

Após a perda do marido, Laryssa, que cursava administração e estava desempregada, precisou lidar sozinha com toda a burocracia relacionada ao sepultamento. Sem recursos financeiros e apoio familiar, ela providenciou o traslado do corpo para Minas Gerais, onde mora a família de Ramon, acumulando dívidas para garantir o básico para sobreviver.

Sem perspectivas, Laryssa buscou emprego formal e precisou trancar a faculdade. Amigos e vizinhos ajudaram com doações de alimentos. Além disso, ela passou a confeitar e vender salgados, saindo todas as noites pelas ruas de Vitória com tortas, bolos de pote, cookies e brownies para garantir seu sustento.

Em situação de vulnerabilidade social, Laryssa solicitou auxílio governamental e tentou receber a indenização de R$13.500 do seguro DPVAT pela morte do marido, mas foi informada na Caixa Econômica Federal de que deveria acionar a Defensoria Pública, uma vez que o seguro havia sido descontinuado.

“Eu era totalmente dependente do meu marido, não trabalhava. As contas eram todas dele e ficaram bloqueadas com a morte dele. Foi um período muito difícil. Se tivesse conseguido o DPVAT, teria me ajudado muito. Talvez eu tivesse até terminado a faculdade”, desabafou Laryssa.

Na época do acidente, o seguro existia legalmente, mas estava sem regulamentação e fundos para pagamento, segundo a Caixa. Por isso, Laryssa não recebeu a indenização.

Atualmente, ela participa de uma ação coletiva promovida pela Defensoria Pública da União no Espírito Santo contra a Caixa Econômica Federal e a União para garantir o pagamento do seguro DPVAT às pessoas que tiveram pedidos negados nos últimos dois anos. A Caixa estima que cerca de 600 mil pessoas foram prejudicadas.

“Tenho esperança de receber esse dinheiro, que seria uma ajuda importante e uma forma de reparação, pois é um direito que me foi retirado sem aviso no momento em que mais precisei. Ramon pagava o DPVAT da moto regularmente, mas meu direito foi negado”, afirmou Laryssa.

Entendendo o seguro DPVAT

O Seguro DPVAT foi criado em 1974 para garantir indenização a vítimas de acidentes de trânsito, cobrindo despesas médicas, invalidez ou morte.

O fundo era formado por valores pagos no licenciamento de veículos, com valores anuais variando conforme o fundo e o tipo de veículo.

No entanto, ao longo dos anos, o DPVAT enfrentou inúmeras fraudes, desvios de recursos e falta de transparência, conforme auditorias e investigações estaduais e federais.

Mesmo após o fim do seguro, em 2023 e 2024, houve diversas operações contra fraudes envolvendo o DPVAT. A legislação sofreu mudanças até sua extinção em janeiro de 2025, mas uma mudança em 2023 manteve o seguro sem regulamentação, deixando muitos brasileiros sem proteção.

Ação da Defensoria Pública

A Defensoria Pública da União ingressou com ação civil pública para garantir pagamento do DPVAT para acidentes ocorridos entre novembro de 2023 e dezembro de 2024, período em que o seguro existia legalmente, mas não foi regulamentado.

A ação sustenta que cabe à União adotar medidas para cobrança e pagamento das indenizações, destacando omissão por não regulamentar o seguro.

Após tentativa frustrada de conciliação, o processo está na 4ª Vara Cível do Espírito Santo, com expectativa de decisão judicial em breve.

O defensor regional, Pablo Cruz, afirma que a ação busca segurança jurídica e reparação para milhares de vítimas de acidentes que contribuíram para o fundo do seguro DPVAT.

Em nota, AGU comentou que o processo está pronto para sentença, enquanto a Caixa não se manifestou.

Especialistas comentam

O advogado Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito dos Seguros, considera que o governo falhou ao extinguir o seguro sem regulamentar a transição, criando um problema que deverá ser pago pelo Tesouro Nacional.

Ele destaca que o DPVAT foi um seguro importante para proteger vulneráveis, mas que sofreu ataques e desvios ao longo do tempo.

Segundo ele, seguros obrigatórios são essenciais para proteção básica das populações e requerem um estado forte para garantir a correta utilização dos recursos.

Valores disponíveis e acompanhamento

A Superintendência de Seguros Privados (Susep) informou que o saldo disponível para o DPVAT é de R$ 438 milhões, reduzido de R$ 766 milhões em outubro do ano anterior, com parte do valor usado para indenizações até novembro de 2023.

O Ministério da Fazenda acompanha a situação através da Susep e do Conselho Nacional de Seguros Privados.

Depoimento de quem recebeu o DPVAT

Valter Ferreira, autônomo de 56 anos, morador de Brasília, recebeu o seguro após acidente de moto em 2012, com fraturas e internação prolongada, tendo recebido R$3.500 para despesas médicas.

Ele também contou a história do irmão, que em 2009 sofreu amputação de perna em acidente, recebendo indenização por invalidez de R$13.500, fundamental para a família.

Para Valter, o DPVAT foi importante para ajudar em momentos difíceis e lembra que todo país civilizado possui seguro obrigatório para emergências.

Retorno do seguro obrigatório para embarcações

Enquanto o DPVAT era extinto, o Seguro Obrigatório para Danos Pessoais causados por Embarcações ou sua Carga (DPEM), conhecido como DPVAT dos barcos, voltou a ser comercializado em junho de 2024, após dez anos fora do mercado devido a falta de sustentabilidade.

A seguradora Akad passou a vender o seguro online, com mais de 287 mil bilhetes emitidos e mais de R$290 mil pagos em indenizações até agora.

Odete Queirós, da Akad, explica que o seguro cobre danos pessoais causados a terceiros em acidentes náuticos, incluindo morte e invalidez, sendo importante para passageiros e tripulantes em naufrágios.

A Marinha tem fiscalizado a obrigatoriedade do seguro, aplicando multas a embarcações irregulares.

Carlos Polizio, da Federação Nacional de Seguros Gerais, acredita que a fiscalização ativa e contínua ajudaria a ampliar a arrecadação e proteger quem utiliza embarcações para lazer ou transporte.




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