O Ministério dos Transportes propôs eliminar a exigência de aulas obrigatórias nas autoescolas para que os candidatos consigam a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Essa mudança provocou reação contrária do setor que teme o encerramento de cerca de 15 mil empresas.
O presidente da Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto), Ygor Valença, criticou o ministério por ‘desvalorizar’ e ‘eliminar’ as autoescolas. ‘Será que vão deixar esses trabalhadores e novos motoristas sem alternativa?’, questionou ele.
Para Valença, a proposta configura uma ‘substituição’ e não uma ‘flexibilização’ do sistema atual. Ele destacou que pode haver o fechamento de 15 mil autoescolas e alertou para o aumento dos acidentes no trânsito.
Por outro lado, a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) afirmou que não há riscos para o setor e que a medida pode até beneficiar as autoescolas. O secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, explicou que a redução de custos e o crescimento da demanda beneficiarão os centros de formação de condutores.
‘Acredito que será melhor para as autoescolas, pois a abertura do mercado deve atrair os que antes não conseguiam pagar pelo processo,’ afirmou Catão.
O projeto tem sido estudado há anos, inclusive pelo governo anterior, e visa enfrentar o alto número de condutores sem habilitação, estimado em 20 milhões, além do elevado custo para obter a CNH.
Conheça a proposta de CNH com custo reduzido
O Ministério dos Transportes lançou um projeto para reduzir o custo da CNH em até 80% para as categorias A (motocicletas) e B (veículos de passeio). O principal ponto é a retirada da obrigatoriedade das aulas em autoescolas.
O conteúdo teórico poderá ser estudado presencialmente nos centros de formação, à distância em instituições credenciadas ou em formato digital oferecido pela Senatran.
Essa iniciativa se baseia em modelos adotados em países como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Japão, Paraguai e Uruguai, que possuem sistemas de formação mais flexíveis.
Também será eliminada a necessidade de cumprir a carga mínima de 20 horas em aulas práticas. O candidato poderá escolher como se preparar para as provas, que permanecem obrigatórias.
Será possível optar por frequentar uma autoescola ou contar com um instrutor autônomo credenciado. A aprovação nos exames teórico e prático continuará exigida para a obtenção da CNH.
O processo para iniciar a habilitação será realizado diretamente pelo site da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) ou via Carteira Digital de Trânsito (CDT).
Catão explicrou que o custo atual da CNH é composto por taxas do Detran, exames médicos e psicológicos e pelo curso das autoescolas — representando 70% a 80% do valor total. O fim da obrigatoriedade das aulas ajudaria a baratear o preço e aumentar o número de habilitados no país.
Valença rebateu dizendo que a autoescola é o único momento em que muitos cidadãos têm contato com a educação no trânsito, já que o tema não é ensinado nas escolas, apesar de constar no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
‘O processo vai perder a parte educacional por conta do preço. Isso traz muita preocupação por impactar negativamente os acidentes e as mortes no trânsito’, declarou Valença.
Ele ressaltou que o setor quer modernizar e simplificar o processo, mas deseja ser incluído nas discussões para propor melhorias.
Catão negou falta de diálogo e relatou ter se reunido numerosas vezes com as principais entidades do setor para tratar do tema.
Opinião de especialista
Marcus Quintella, diretor de estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV) de Transportes, afirmou que o governo deve considerar a realidade atual do trânsito brasileiro, que apresenta altos índices de acidentes, grande número de motoristas sem habilitação e carência na educação para o trânsito.
‘Ainda não estamos prontos para essa mudança, pode ser interessante no futuro, mas é preciso avançar muito na cultura e mentalidade dos motoristas brasileiros,’ disse Quintella.
Ele não é contra a proposta, mas defende que ela leve em conta a segurança viária e que haja mecanismos para subsidiar a CNH visando habilitar mais pessoas com segurança.
Contexto político e reação no Congresso
Fontes indicam que o ministro dos Transportes, Renan Filho, do MDB, apresentou o projeto próximo do ano eleitoral para marcar sua atuação, embora negue motivações políticas.
Alguns ministros e parlamentares do governo manifestaram resistência. A ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, declarou que a proposta, embora de autoria exclusiva do ministro dos Transportes, ainda será discutida com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Hoffmann publicou um esclarecimento após contato com o ministro Renan Filho. Está prevista a abertura de consulta pública para colher opiniões sobre o tema. Após isso, o projeto será enviado ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) para aprovação final.
O Contran é presidido pelo ministro dos Transportes e inclui representantes de várias pastas do governo.
O setor de autoescolas busca apoio no Congresso e conseguiu a instalação da Frente Parlamentar em Defesa da Educação para o Trânsito e da Formação de Condutores, presidida pela deputada federal Laura Carneiro (PSDB-RJ).
Laura Carneiro afirmou que o presidente Lula assegurou que não há intenção de eliminar a educação para o trânsito oferecida pelas autoescolas.
Em protesto, a Feneauto realizou uma grande manifestação em Brasília com a participação de cerca de mil pessoas entre instrutores, empresários e entidades, reunindo mais de 400 veículos.