Em meio a entulhos e caixas de panetone em um quarto com paredes insalubres, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) descobriu, na quinta-feira (9/10), um cenário chocante de abandono, violência e obsessão que perdurou por 15 anos.
Na casa situada em Samambaia, uma mulher de 72 anos foi resgatada após permanecer isolada por uma década e meia. O responsável por esse sofrimento era o filho dela, Demetrius Emerson de Farias, 49 anos, que frequentemente a deixava sozinha e chorando. Ele foi preso.
Em meio à sujeira acumulada, os agentes policial notaram maços e mais maços de comprovantes de apostas em loterias e jogos de azar, entulhados ao longo dos anos. Nenhum deles nunca havia sido checado.
Era como se cada papel simbolizasse não só uma aposta perdida, mas também a esperança deturpada de um filho que, ao invés de proteger, consumia a aposentadoria da própria mãe de forma compulsiva e sem propósito.
Condição precária da residência
Quando os policiais da 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia) entraram na casa, após resistência do suspeito, encontraram um ambiente horrível: montanhas de lixo, roupas e caixas espalhadas em todos os cômodos, mofo e mau cheiro impregnado nas paredes.
O banheiro e a cozinha estavam impróprios para uso, e o quarto da idosa mais parecia um depósito de miséria.
Entre a sujeira, o detalhe mais inquietante eram as dezenas de caixas de panetone. Era praticamente o único alimento que a mulher consumia, sobrevivendo anos com pedaços de bolo industrializado, acompanhados apenas de leite e água da torneira.
A idosa foi resgatada em estado delicado, queixando-se de fortes dores de cabeça e tonturas. O Corpo de Bombeiros constatou pressão arterial elevada e a encaminhou ao Hospital Regional de Taguatinga.
Controle rígido do filho
Segundo relatos da vítima, ela não tinha acesso à própria pensão de R$ 5 mil, deixada para ela. Desde 2003, o filho assumia todas as decisões financeiras. Em depoimento, Demetrius afirmou que parte do dinheiro era destinada a pagar o plano de saúde da mãe, e que ele ficava “apenas” com R$ 500.
Porém, a polícia descobriu o real destino do dinheiro: os inúmeros comprovantes das apostas nunca verificadas. Esse vício evidenciava, além do transtorno obsessivo-compulsivo do homem, um ciclo de desperdício e crueldade.
Vizinhos e conhecidos confirmaram os anos de sofrimento. Uma testemunha relatou ter ouvido ofensas severas como: “Morre, sua velha. Não vai fazer falta aqui. Não presta para nada”. Outra vez, presenciou hematomas nos braços da vítima após uma discussão com o filho.
Vida na sombra do cárcere psicológico
Em 2024, Demetrius utilizou a pensão da mãe para viajar ao Rio de Janeiro e assistir a um show da cantora Madonna, deixando a idosa sozinha por quatro dias na casa tomada pelo lixo.
O que deveria ser um lar virou uma prisão invisível. A mulher viveu cercada por sacos de lixo que nunca podiam ser removidos, sob ameaça constante da fúria do filho.
Ela foi impedida de comprar um fogão novo, de fazer exames oftalmológicos mesmo com a visão prejudicada, e de buscar qualquer autonomia.
Esse cárcere não tinha grades de ferro, mas era mantido por controle psicológico, isolamento social e medo constante.