Brasília e São Paulo, 29 – O professor da Universidade de Brasília (UnB), procurador regional da República e ex-secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR), Vladimir Aras, estima que o processo para trazer a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) da Itália para o Brasil pode durar entre um ano e meio a dois anos, considerando a perspectiva da Justiça brasileira. Aras destaca que essa análise é como estudioso do tema, não como procurador, pois não atua diretamente no caso.
Na pior situação, ela poderá ser liberada em breve por decisões políticas, comuns em casos de extradição, explicou Aras ao Estadão.
Aras foi secretário de cooperação internacional da PGR quando o Brasil conseguiu, em 2015, a extradição do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que tinha fugido para a Itália após ser condenado no processo do Mensalão. Ele também é professor de direito processual penal na UnB e especialista em Direito Penal Internacional.
Zambelli foi detida na Itália nesta terça-feira, 29. Ela tem dupla cidadania e teve que fugir para a Itália em junho depois de ser condenada a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ter solicitado a um hacker que invadisse os sistemas do Conselho Nacional de Justiça para emitir um mandado de prisão falso contra o ministro Alexandre de Moraes.
Aras detalhou que o próximo passo será o Ministério da Justiça italiano decidir se confirma a prisão de Zambelli. Se aprovada, a Corte de Apelação de Roma analisará o caso.
Depois disso, o Brasil terá até 45 dias para formalizar o pedido de extradição. O Ministério Público italiano e a defesa de Zambelli apresentarão suas manifestações, e a Corte de Apelação tomará a decisão final. Os advogados dela defendem que a deputada é vítima de perseguição política no Brasil.
Quem perder pode ainda recorrer à Corte de Cassação. Aras comentou: “Se tudo correr bem, o Ministério da Justiça italiano decidirá sobre a entrega dela ao Brasil. Isso é uma decisão política. Se for pela extradição, a defesa pode contestar no Tribunal Administrativo Regional de Lazio e depois no Conselho de Estado”.
Pizzolato fugiu do Brasil para a Itália em 2013 e foi preso lá em fevereiro de 2014. A Justiça italiana inicialmente negou o pedido de extradição e o soltou em outubro do mesmo ano, decisão revertida após recurso. Ele foi extraditado em outubro de 2015.
Alberto do Amaral Júnior, professor de Direito Internacional da USP, explicou que a Justiça italiana vai avaliar se os crimes pelos quais Zambelli foi condenada — invasão de sistemas informáticos e falsidade ideológica — também são punidos pelo sistema jurídico italiano.
Ele lembrou que as regras de extradição no Brasil e na Itália são diferentes: a Constituição brasileira não permite extradição de nacionais, enquanto na Itália isso é diferente, como ocorreu com Pizzolato, que tinha cidadania italiana.
Wálter Maierovitch, jurista, ressaltou que em casos de dupla cidadania, verifica-se qual delas prevalece. No caso de Zambelli, prevalece a brasileira, pois ela tem sua vida e atividades relevantes no Brasil.
Maierovitch afirmou que os crimes atribuídos a Zambelli têm equivalentes na legislação italiana e que o governo italiano, liderado pela primeira-ministra Giorgia Meloni, provavelmente não oferecerá apoio político à parlamentar.
O governo italiano é formado por uma coalizão entre a Liga Norte, comandada por Matteo Salvini (próximo ao bolsonarismo, que acusa Zambelli pela derrota eleitoral de 2022), o Força Itália, de centro-direita fundado por Silvio Berlusconi, e o Irmãos da Itália, liderado por Meloni.
Maierovitch avaliou que a última decisão é do Executivo, mas Meloni não deseja se envolver em situações complicadas de extradição, após a controvérsia relacionada à deportação do chefe de polícia da Líbia, Osama Najim, procurado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra.
Para o jurista, outro fator desfavorável para Zambelli é que parlamentares e senadores italianos pediram a cassação da cidadania dela, alegando que usa essa condição para evitar punições.
Estadão Conteúdo