Recentemente, o navio Spiridon II obteve autorização para desembarcar quase três mil vacas na Turquia após meses de espera. O país inicialmente recusou o recebimento da carga devido a problemas sanitários e falhas na identificação dos animais. Foram relatadas situações preocupantes, como carcaças empilhadas no convés, mau cheiro intenso de fezes e urina, além da falta de água e alimento adequados para os bois.
Essa situação exemplifica os problemas comuns no comércio de animais vivos, conforme destacado pela organização de proteção animal Mercy for Animals. Essa ONG participou em Brasília de uma audiência pública na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados para discutir o tema.
George Sturaro, diretor de relações governamentais da Mercy for Animals no Brasil, explica que o transporte dos animais em navios provoca estresse físico e mental devido às condições adversas, como o ambiente artificial, o balanço do mar, o calor excessivo e a superlotação. Isso enfraquece o sistema imunológico dos animais e facilita o surgimento de doenças, principalmente as infecciosas.
Além disso, as condições precárias de higiene dentro das embarcações e a ausência de cuidados veterinários agravam ainda mais o sofrimento dos animais.
George Sturaro também chama a atenção para os riscos ambientais dessa prática. A maioria dos navios utilizados na exportação é antiga e não adequada para o transporte de animais, aumentando o risco de acidentes e naufrágios. A poluição é outro problema, já que fezes e urina de animais caem dos caminhões durante o trajeto até o porto, gerando um odor desagradável e contaminando o ambiente.
Esse tipo de poluição afeta não apenas a saúde da população local, mas também impacta negativamente a economia, prejudicando o comércio, o turismo e a rotina das pessoas. Por esses motivos, cidades como Santos e Belém afastaram-se das rotas de exportação de animais vivos.
Audiência pública
A audiência pública em Brasília foi solicitada pela deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) e contou com a participação de diversos grupos de proteção animal e ambiental. Dados do Comex Stat, órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento, indicam que o Brasil é o maior exportador mundial de animais vivos, tendo registrado recorde em 2025 com 952 mil bois embarcados no ano.
Duas propostas de lei no Congresso Nacional buscam taxar a exportação de animais vivos para desencorajar essa prática: o Projeto de Lei Complementar 23/2024, da deputada Luciene Cavalcante (PSOL-SP), visa eliminar isenções fiscais para essa exportação, e o Projeto de Lei 786/2024, do deputado Nilto Tatto (PT-SP), institui imposto sobre a exportação desses animais.
Por seu lado, o Ministério do Meio Ambiente, por meio da direção de Proteção Animal, tem se manifestado contra a exportação e participado de ações judiciais em defesa dos animais. A diretora Vanessa Negrini alerta para emendas legislativas que podem enfraquecer a proteção legal dos animais, permitindo práticas prejudiciais sob justificativas legais.
Tendência mundial
De acordo com a Mercy for Animals, o fim da exportação marítima de animais vivos é uma tendência crescente em vários países. Índia, Nova Zelândia, Reino Unido, Alemanha e Luxemburgo já proibiram essa prática, enquanto Austrália anunciou a interrupção para ovinos. Argentina, Equador e Uruguai também discutem legislações para restringir a exportação de animais vivos, sendo que o Uruguai suspendeu essa atividade em 2025 devido aos prejuízos econômicos causados.
George Sturaro destaca que o Brasil está fora dessa tendência global e que, economicamente, a exportação de animais vivos não é vantajosa, pois transfere empregos e atividades que agregam mais valor para o exterior, prejudicando a geração de renda e a arrecadação de impostos no país.
Um estudo intitulado Análise dos Impactos Socioeconômicos da Proibição da Exportação de Bovinos Vivos no Brasil, elaborado por pesquisadores da Universidade do Estado de Mato Grosso e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostra que a transição para a exportação de carne processada pode gerar até R$ 1,9 bilhão em valor agregado, criar cerca de 7.200 empregos formais e aumentar a arrecadação tributária em até R$ 610 milhões.
Ainda segundo George Sturaro, a exportação de bois vivos reduz a oferta e eleva o preço da matéria-prima no mercado interno, além de prejudicar as exportações de carne bovina refrigerada para os mesmos países importadores.
Por fim, ele ressalta que, caso o Brasil proíba a exportação de animais vivos, dificilmente outro país ocupará seu lugar a médio prazo, o que deve levar a um aumento na compra de carne bovina refrigerada pelos importadores.

