O combate ao tráfico de drogas no Brasil depende de um maior controle nas fronteiras, contudo, as Polícias Federal e Rodoviária Federal operam com poucos agentes e escassez de recursos. Além disso, o Exército Brasileiro tem resistido em participar de um trabalho conjunto mais eficaz nessa área. Essa é a opinião da diretora-executiva do Fórum de Segurança Pública, Samira Bueno. Ela ressalta que o Brasil faz fronteira com os três maiores produtores de cocaína do mundo — Colômbia, Bolívia e Peru — e se transformou em um ponto central de distribuição de drogas para o resto do mundo.
“O Exército Brasileiro evita, na prática, colaborar de forma integrada com as forças locais de segurança para impedir a entrada dessas drogas e reforçar o controle nas fronteiras”, afirma Samira Bueno. Procurado para comentar, o Exército não deu declarações sobre o assunto.
Em entrevista ao programa Dois Pontos, apresentado por Roseann Kennedy, Samira Bueno expressa preocupação com o tratamento dado pelo Congresso ao projeto de lei antifacção e defende a recriação do Ministério da Segurança Pública.
Principais pontos da entrevista
Participação do Exército nas regiões de fronteira
“Precisamos reconhecer que o Exército tem um papel fundamental no controle das fronteiras, mas essa função não está sendo cumprida, pois o Exército não deseja atuar nesses locais.”
“No Rio de Janeiro, para patrulhamento ostensivo, o Exército depende da Lei de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), mas nas fronteiras federais não há motivo para que o Exército não possa atuar.”
“Em Tabatinga, existe uma unidade do Exército com milhares de soldados, mas não está claro qual é o objetivo dessa presença.”
“A Polícia Federal conta com cerca de 12 mil agentes, mas o Exército possui número ainda maior de militares. Não acredito que a solução do problema amazônico dependa apenas do Exército, mas é essencial garantir acesso à justiça nessas áreas.”
“Quando as forças de segurança apreendem grandes quantidades de drogas, como 6,5 toneladas de cocaína, elas acionam o Exército, que possui helicópteros capazes de operar em áreas de selva.”
“O fato é que o Exército Brasileiro tem relutado em trabalhar de forma integrada com as forças locais para impedir a entrada de drogas e reforçar o controle das fronteiras.”
Dificuldades das polícias federais e custos operacionais na fronteira
“Tanto a Polícia Federal quanto a Rodoviária Federal dispõem de pouco mais de 12 mil agentes para diversas funções.”
“Mesmo a fiscalização em aeroportos é feita pelas mesmas polícias que atuam nas fronteiras.”
“O custo de combustível para percorrer 500 quilômetros por rio na Amazônia é 25 vezes maior do que percorrer a mesma distância em veículo 4×4 no interior de São Paulo.”
“Acredito que a União não compreende totalmente as necessidades de recursos específicas para a fiscalização nas fronteiras.”
Projeto de lei antifacção e redução de recursos à Polícia Federal
“Estamos discutindo a necessidade de fortalecer a Polícia Federal, mas o Congresso acaba de aprovar o projeto de lei antifacção, que retira R$ 350 milhões da PF.”
“Ainda que a discussão sobre a destinação dos recursos oriundos de bens apreendidos seja legítima, o Congresso deve encontrar uma solução para garantir os meios necessários.”
“Enquanto o Brasil debate sobre crime organizado e crescimento das facções, o Congresso está cortando recursos da principal força que tem capacidade para investigar essas organizações transnacionais.”
“Parece que progredimos em alguns aspectos, mas retrocedemos em outros. No próximo ano pode haver R$ 350 milhões a menos para a Polícia Federal.”
Defesa da recriação do Ministério da Segurança Pública
“O Fórum Brasileiro de Segurança Pública apoia a recriação do Ministério da Segurança Pública desde a última eleição. Durante sua existência breve, na gestão de Michel Temer, o ministério trouxe mudanças positivas.”
“O ex-ministro Raul Jungmann conseguiu aprovar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e outras reformas importantes.”
“Hoje, a segurança pública está diluída dentro do Ministério da Justiça, onde compete com outras pautas, prejudicando sua prioridade.”
“A segurança pública será um tema central nas eleições de 2026, pois a população busca soluções contra a sensação de insegurança e o medo do crime.”
Falta de debate sobre fronteiras no Congresso
“O tema das fronteiras será inevitável no debate eleitoral, já que grande parte da violência no Brasil está ligada ao tráfico de drogas e armas.”
“No entanto, nas discussões da PEC da Segurança Pública, do projeto antifacção e da CPI do Crime Organizado, o assunto das fronteiras não tem recebido a devida atenção.”
Rotas do tráfico e atuação das facções nas fronteiras
“Na Amazônia, a fronteira é extensa e formada por rios e florestas, que servem como corredores para o transporte de drogas.”
“Mesmo com a presença do Comando Vermelho, que é a força dominante na região, existe disputa entre facções e atuação de ‘piratas dos rios’. O PCC também investe em rotas aéreas e domina cidades estratégicas.”
“O Comando Vermelho domina mais de um terço das cidades na Amazônia Legal, pois obtém lucro com a venda no varejo, enquanto o PCC foca no atacado.”
Impacto nas populações locais e surgimento de ‘minicracolândias’
“O Brasil faz fronteira com os maiores produtores de cocaína, droga que movimenta muito dinheiro e traz grande impacto social.”
“É fundamental pensar em maneiras de reduzir os danos para as populações que vivem nessas regiões afetadas pelo tráfico.”

