A assinatura de acordo entre Brasil e China para reduzir uso do dólar poderá diminuir o custo de transações e acelerar o comércio. Mas o Palácio do Planalto deve estar preparado para retaliação dos EUA na forma de sabotagem econômica, alerta economista.
Nesta quarta-feira (29), Brasil e China firmaram acordo que permite a realização de transações comerciais sem o uso do dólar. O tratado permitirá que exportadores brasileiros façam conversões diretas entre o real e o yuan, a moeda chinesa.
O uso do novo sistema promovido pela China é opcional. Logo, empresas brasileiras poderão, pela primeira vez, escolher entre dois sistemas diferentes para realizar operações comerciais.
De acordo com a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, o acordo tem o intuito de reduzir os custos das transações entre os países. Mas, para o mestre em economista pela Universidade Federal Fluminense e assessor parlamentar David Deccache, o acordo garante sobretudo ganhos geopolíticos para o Brasil.
“O maior ganho do acordo é a diversificação do risco geopolítico. Agora temos dois sistemas opcionais para realizar operações, e não apenas um. Portanto não estamos mais totalmente subordinados à hegemonia do dólar”, disse Deccache à Sputnik Brasil.
O acordo também representa um ganho tecnológico, uma vez que o sistema [de pagamentos internacionais] ocidental Swift “ainda é muito lento”.
O presidente chinês Xi Jinping faz um discurso na cerimônia de encerramento do Congresso Nacional Popular da China em Pequim, 13 de março de 2023.
“A China avançou muito em sistemas atrelados a moeda digital do seu Banco Central, baseada em tecnologia blockchain”, relatou Deccache. “Isso dá mais segurança e agilidade ao processo.”
A secretária do Ministério da Fazenda também notou que o novo sistema garante que Brasil e China se protejam de flutuações cambiais, garantindo maior previsibilidade das taxas de câmbio, conforme reportou o jornal Estado de São Paulo.
“Com a diversificação das transações cambiais ficamos menos reféns das volatilidades em dólar”, concordou o economista Deccache.
O vice-presidente da China, Wang Qishan, dá os cumprimentos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva após a posse. Brasília, Brasil, 1º de janeiro de 2023
Pequim é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009. Em 2022, 26,8% das exportações brasileiras foram destinadas à China, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (SECEX-MDIC). Já as importações brasileiras de produtos chineses respondem por 22,3% do total e apresentam tendência de alta.
“O jogo geopolítico começou a virar. Estamos em uma trajetória de queda das transações em dólar, do uso do sistema Swift e do acúmulo de reservas internacionais em dólares”, relatou o economista.
Reação dos EUA?
A promoção de acordos que diminuem o uso do dólar deve gerar reações por parte de Washington, já que o uso da sua moeda lhes garante privilégios econômicos significativos em relação ao resto do mundo.
“O uso internacional do dólar é um privilégio exorbitante dos EUA […] e último pilar do imperialismo norte-americano”, declarou Deccache.
Nesse sentido, acordos para diminuir o uso do dólar podem representar um risco para Washington. A China promove acordos desse tipo com diversos países, como Arábia Saudita, Chile, Argentina e Rússia, como política de longo prazo para diminuir sua vulnerabilidade em relação ao dólar em meio a tensões geopolíticas entre grandes potências.
Presidente Joe Biden caminha no gramado sul da Casa Branca antes de embarcar no Marine One na sexta-feira, 28 de janeiro de 2022, em Washington. Biden está a caminho de Pittsburgh.
Para Deccache, o Brasil deve se preparar para período turbulento de transição de poder internacional e se resguardar do risco imposto pela dependência do dólar.
“A hegemonia do dólar é uma arma de terrorismo econômico utilizada pelos EUA”, declarou o economista. “Estratégias de sabotagem econômica, como ataques a nossa moeda, podem voltar a acontecer e o governo precisa se preparar pra isso.”
O especialista aponta, no entanto, que o governo Lula mantém posição dúbia ao, por um lado, adotar uma política econômica alinhada às normas do Ocidente e, por outro, uma política externa de questionamento.
Fernando Haddad, Lula e Celso Amorim participam do lançamento do livro de fotos ‘O Brasil no mundo- 8 anos de governo Lula’ com fotos de Ricardo Stuckert, 22 de agosto de 2022
“Eles se subordinam às diretrizes econômicas da ortodoxia ocidental, discutindo regras fiscais com base em padrões dos EUA, ao mesmo tempo em que discutem relações internacionais em outro padrão”, apontou Deccache. “Então temos um choque.”
O acordo com a China poderá ser um primeiro passo rumo à adoção de uma política de longo prazo para que o Brasil navegue “essa fase histórica muito interessante de transição de poder”.
“Em determinados momentos temos duas opções: ou adiar o conflito, ser pego despreparado para ele, e, logo, acabar sendo destruído; ou encarar que o conflito existe e se preparar para ele”, concluiu o economista.
No dia 29 de março, Brasil e China firmaram acordo para realização de transações em moedas locais, durante o Fórum de Negócios Brasil-China, realizado em Pequim. O acordo prevê o uso do Banco Industrial e Comercial da China como câmara de compensação e tem o intuito de reduzir os custos de transações entre os países, conforme declarou o Ministério da Fazenda brasileiro.