GUSTAVO SOARES e PEDRO S. TEIXEIRA
FOLHAPRESS
O Brasil conta hoje com menos de 200 data centers, entre mais de 10 mil espalhados pelo mundo, incluindo provedores de nuvem, serviços terceirizados e infraestrutura usada pelas empresas de telefonia. Esses dados são do levantamento colaborativo Data Center Map.
A quantidade de centros no Brasil é ainda menor quando se trata de unidades com tecnologia avançada, necessárias para tarefas complexas como o desenvolvimento de inteligência artificial.
Um estudo do Instituto de Internet da Universidade de Oxford revela que só há um provedor de nuvem no Brasil com os aceleradores para treinar grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT – o serviço de nuvem da Amazon, AWS.
Embora menor, o serviço de nuvem da Oracle também oferece chips da Nvidia no país.
Enquanto o Brasil tem duas empresas com serviços desse tipo, os Estados Unidos possuem 22 polos tecnológicos avançados, segundo artigo acadêmico, com maior capacidade instalada.
Segundo o Data Center Map, os EUA abrigam quase 40% dos data centers globais – 3.955 de 10.461 unidades registradas.
Países buscam atrair provedores de nuvem e data centers para garantir soberania digital, ou seja, controlar o processamento de dados conforme suas leis e jurisdição.
O relatório de Oxford e especialistas apontam ainda outros fatores importantes para a soberania: a origem das empresas de nuvem pública e a cadeia produtiva dos equipamentos usados.
Dados da Gartner indicam que empresas americanas dominam 70,6% do mercado de computação em nuvem. A Amazon lidera, seguida por Microsoft e Google, que cresceram com a popularização da inteligência artificial. Esses grandes provedores são chamados de “hyperscalers” devido ao alto investimento.
Depois, vêm empresas chinesas como Alibaba (7,2%) e Huawei (4,1%). Provedores europeus são menores e atuam localmente, enquanto América Latina, África e Oceania não têm players relevantes nessa área.
Na cadeia de produção dos chips, a Nvidia é dominante, desenvolvendo o design dos semicondutores, mas a fabricação é feita pela taiwanesa TSMC e as máquinas pela holandesa ASML.
Os hyperscalers americanos também fabricam semicondutores em menor escala. O esforço do ex-presidente Donald Trump para estimular a produção nacional de semicondutores, com tarifas a estrangeiros, exemplifica a importância estratégica.
A China é o único país que conseguiu alguma independência tecnológica, investindo em tecnologia própria após restrições americanas. A Huawei, em parceria com a chinesa SMIC, produz chips avançados que os EUA tentam controlar.
No Brasil, a estratégia atual para soberania digital é investir em uma “nuvem soberana”, comprando servidores dos hyperscalers para uso em empresas públicas como Serpro e Data Prev. Porém, a manutenção e atualizações ainda dependem das empresas estrangeiras, o que representa uma vulnerabilidade, conforme o professor Sérgio Amadeu, da UFABC.
O governo está discutindo uma medida provisória com incentivos para atrair mais data centers ao Brasil. Hoje, 60% dos serviços digitais no país são faturados em data centers nos EUA, e o objetivo é mudar essa realidade.
Jefferson Gomes, diretor da Fiesp, afirma que a oferta de infraestrutura digital triplicou nos últimos cinco anos, mas a demanda aumentou dez vezes, criando um descompasso que explica a lacuna apontada pelo Ministério da Fazenda.
Apesar de divergências sobre os impactos econômicos da concentração dos data centers, teóricos alertam para o risco de exploração digital semelhante ao colonialismo.
Para o conselheiro do CGI, Rodolfo Avelino, está surgindo uma nova divisão internacional do trabalho, em que países que têm tecnologia exploram os que não a possuem. A coleta de dados de populações em países sem processamento local aumenta a dependência das grandes empresas de tecnologia e a submissão econômica e tecnológica.