JOSÉ MARQUES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Dados públicos do governo dos Estados Unidos indicam que o ex-ministro Anderson Torres chegou a Orlando, na Flórida, no dia 7 de janeiro de 2023, ou seja, antes dos eventos do dia 8 de janeiro, e voltou ao Brasil via Miami no dia 13 do mesmo mês.
Essas informações vão contra parte das suspeitas da Procuradoria-Geral da República (PGR), que alegava que Torres teria falsificado documentos para justificar uma viagem de férias à Disney nesse período.
Na acusação, a PGR utilizou dados da companhia aérea Gol, que disse não ter encontrado o nome do ex-ministro em voo de Brasília para Orlando no dia 6 de janeiro.
As informações sobre a viagem constam no formulário usado pelos Estados Unidos para controlar a entrada e saída de estrangeiros no país, acessado pela Folha.
Além disso, agentes da Polícia Federal indicam que registros internos da corporação mostram que Torres deixou o Brasil no dia 6 de janeiro, embora esses dados não tenham sido usados pela PGR em suas alegações.
A PGR, ao ser consultada, afirmou que sua suspeita não questiona a presença do ex-ministro nos EUA, mas sim a data da compra da passagem aérea.
Segundo nota da PGR, o formulário de controle americano mostra somente a entrada no país, mas a aquisição da passagem é uma questão distinta.
A companhia aérea Gol informou que o código apresentado na defesa de Anderson Torres não corresponde a seus registros, e não encontrou o nome dele no voo Brasília-Orlando do dia 7 de janeiro.
A PGR enfatizou que essa divergência indica a necessidade de investigação para verificar os fatos.
O debate principal gira em torno de duas versões apresentadas pela defesa: a compra antecipada da passagem em uma viagem que não teria sido informada ao governador do Distrito Federal, e a afirmação de que Torres não teria viajado se soubesse da gravidade dos acontecimentos que precederam os ataques do dia 8 de janeiro.
Anderson Torres, que é réu no inquérito sobre a trama golpista, foi ministro da Justiça no governo Bolsonaro e secretário de Segurança Pública do Distrito Federal no período do ataque.
As suspeitas sobre sua viagem foram apresentadas nas alegações finais do principal processo enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 14 de agosto.
Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet, há indícios de falsidade no documento apresentado pela defesa, que mostraria a compra da passagem em novembro de 2022 para férias em janeiro de 2023, pouco antes dos atos na praça dos Três Poderes.
A PGR apontou que a defesa juntou apenas um print da passagem, sem comprovação oficial de compra ou bilhete aéreo.
A Procuradoria alertou que a possível falsidade do documento agrava a conduta de Anderson Torres e pode levar a novas medidas legais em relação a esse fato.
Nos documentos, a Gol confirmou que o código apresentado não corresponde a um bilhete em nome de Torres e não o identificou no voo indicado. A empresa optou por não se manifestar além disso.
As alegações finais destacam ainda que a versão do réu, de que a viagem estava programada desde antes, e que o governador do Distrito Federal teria sido informado, é insustentável e não comprovada.
Após essas manifestações, o advogado de Anderson Torres, Eumar Novacki, apresentou documentos que comprovam a compra das passagens.
Ele afirmou que há uma tentativa de criar um caso contra um inocente, desconsiderando provas que confirmam o pagamento e a emissão legítima das passagens e a vinculação dos dados ao nome do acusado e de sua família.
Foram apresentados nos autos um atestado da agência de viagens, dados do voo e reserva de aluguel de carro.
O advogado argumentou que existe uma perseguição que visa não apenas condenar Torres, mas destruir sua família, ultrapassando os limites da legalidade e do devido processo.
Anderson Torres foi preso no começo de 2023 por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes, acusado de possível omissão nos acontecimentos do dia 8 de janeiro. Em 11 de maio, sua prisão preventiva foi revogada.
Em buscas na casa do ex-ministro durante a investigação foi encontrada uma minuta de decreto que visava instaurar estado de defesa e anular o resultado eleitoral, com um propósito golpista para impedir a posse do presidente Lula, eleito em 2022.
No interrogatório da ação penal em junho, Torres declarou que o documento golpista encontrado em sua residência chegou ali por acaso.
Segundo ele, tratava-se de papéis recebidos na rotina do ministério, com conteúdo comum na época, e que deveriam ser descartados.