PEDRO LOVISI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Mesmo sem um acordo oficial entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos sobre minerais importantes, duas mineradoras brasileiras com projetos focados em terras raras já receberam financiamentos que podem garantir aos EUA prioridade no acesso a esses minerais.
As empresas Serra Verde e Aclara, localizadas em Goiás, firmaram recentemente acordos de financiamento com um banco estatal americano chamado DFC (Development Finance Corporation). Esses empréstimos podem abrir caminho para negócios maiores. No caso da Aclara, o valor emprestado pode ser convertido em ações da empresa futuramente.
Terras raras são 17 elementos químicos difíceis de extrair e processar, usados em ímãs necessários para tecnologias como carros elétricos e equipamentos de defesa.
Os EUA buscam reduzir a dependência da China, que domina a extração e o refino dessas terras raras, com 60% da produção global e 90% da capacidade de processamento. Por sua vez, com os financiamentos firmados, o Brasil pode perder parte do poder de negociação, apesar de possuir a terceira maior reserva mundial de terras raras, atrás da China e do Vietnã.
A Serra Verde é a única mineradora em operação no Brasil para esse tipo de mineral e uma das poucas fora da China. A empresa, controlada por fundos dos EUA e do Reino Unido, anunciou em novembro um empréstimo de US$ 465 milhões do DFC para ampliar sua mina em Goiás.
O objetivo do DFC é garantir que os EUA ampliem seus fornecedores de minerais, diminuindo a influência chinesa. Embora o contrato não tenha sido divulgado, acredita-se que a Serra Verde deve garantir parte de sua produção para o mercado americano.
Em entrevista para a agência Reuters, o presidente da Serra Verde, Thras Moraitis, revelou que a empresa ajustou um contrato com clientes chineses para permitir enviar parte da produção a compradores ocidentais.
Segundo Moraitis, dentro de alguns anos, haverá opções para separar terras raras pesadas fora da China, o que é fundamental, pois atualmente quase todo o refino é feito na China e na Malásia.
A Serra Verde pretende produzir 5 mil toneladas de óxido de terras raras até 2027 e chegar a 10 mil toneladas em 2030. O empréstimo do DFC vai ajudar a ampliar essa produção.
Esse concentrado é uma etapa anterior ao refino e tem valor agregado menor na cadeia produtiva.
Conforme a ex-vice-cônsul dos EUA em São Paulo e atual especialista em políticas, Samantha Carl-Yoder, para receber financiamento do DFC, a mineradora deve garantir que uma parte da produção seja destinada aos EUA.
A Aclara, também em Goiás, recebeu em setembro um financiamento de US$ 5 milhões do DFC para finalização do estudo de viabilidade de sua mina. Em 2028, planeja construir uma refinaria nos EUA, com investimento previsto em US$ 277 milhões, focada em processar o concentrado produzido no Brasil.
Essa refinaria poderá atender 75% da demanda americana por terras raras pesadas usadas em veículos elétricos.
A Aclara declarou que seu contrato com o DFC não garante novos financiamentos nem obriga a direcionar a produção para o mercado americano, e que o Brasil continuará sendo o centro do projeto.
Negociações entre governos
O plano da Aclara contraria o desejo do governo brasileiro de que o processamento dos minerais ocorra dentro do país para aumentar o valor agregado local. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já indicou que esse fator seria essencial para um acordo bilateral.
Autoridades brasileiras estiveram nos EUA no começo de dezembro para discutir o tema, mas ainda não existe um acordo definido. O Ministério de Minas e Energia afirmou que mantém diálogo contínuo sobre minerais estratégicos com parceiros internacionais.
Um possível acordo poderia ser parecido com o firmado entre EUA e Austrália em outubro, quando os americanos se comprometeram a investir US$ 8,5 bilhões no processamento de minerais críticos naquele país.
Para Erasto Almeida, executivo da Safe, uma organização que ajuda o governo dos EUA em estratégias sobre minerais críticos, acordos governamentais não são indispensáveis para garantir fornecimento estável dos minerais, já que o mercado brasileiro é aberto a investimentos estrangeiros. No entanto, manter boas relações políticas é importante.
Fontes americanas indicam que o governo Trump busca acordos com o Brasil para que empresas dos EUA tenham prioridade no acesso ou licenciamento de reservas brasileiras de minerais críticos.
Essa prioridade faz parte de acordos recentes, como o firmado em dezembro entre os EUA e a República Democrática do Congo, que possui grandes depósitos de cobre e cobalto.
