RICARDO DELLA COLETTA E CÉZAR FEITOZA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Os Estados Unidos decidiram cancelar um evento que seria organizado junto com a Força Aérea Brasileira (FAB) e indicaram que também podem não participar do principal exercício da Marinha do Brasil, a Operação Formosa.
Esse afastamento de Washington tem preocupado o Ministério da Defesa, que tenta proteger a cooperação militar estratégica entre os países diante da crise política e econômica instaurada entre Brasil e Estados Unidos no governo de Donald Trump.
O Comando Sul dos Estados Unidos (Southcom) planejava fazer a edição de 2025 da Conferência Espacial das Américas com a FAB. O encontro, que reuniria outros países das Américas, estava previsto para os dias 29 a 31 de julho em Brasília.
Segundo a FAB, “o evento foi cancelado por decisão dos Estados Unidos em 23 de julho”.
O Comando Sul dos EUA não respondeu aos pedidos de comentário até o momento.
Essa seria a quarta edição do evento, que no ano anterior aconteceu em Miami, com a presença de dez países convidados: Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai.
A conferência anual tem como foco promover a cooperação no setor espacial, não apenas na área militar, mas também em economia, telecomunicações, pesquisa e navegação.
Fontes próximas à organização comentaram que, apesar de os EUA não terem explicado o motivo do cancelamento, a decisão é vista como mais um reflexo da crise diplomática entre os governos de Lula (PT) e Trump.
Donald Trump acusou o governo de Lula e o Supremo Tribunal Federal (STF) de promoverem uma perseguição contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que enfrenta processos relacionados a uma trama golpista. O governo de Trump também impôs sanções financeiras contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, cancelou vistos do magistrado e outros servidores do programa Mais Médicos.
No âmbito econômico, foram aplicadas sobretaxas de 50% sobre vários produtos brasileiros, e o diálogo com principais autoridades americanas está bloqueado, segundo relatos do presidente Lula e seus ministros.
As consequências dessa crise afetam também a Operação Formosa, o principal exercício da Marinha do Brasil.
Para este ano, a Marinha preparou a mobilização de cerca de 2.000 militares, mais de 100 veículos e oito helicópteros que serão levados para Formosa, Goiás.
Desde 2023, os fuzileiros navais dos EUA enviam tropas para participar desse exercício. No ano passado, 56 militares americanos estiveram presentes pela primeira vez que China e EUA participaram juntos.
Fontes ligadas à organização revelaram que os fuzileiros dos EUA não responderam ao convite para a Operação Formosa, e o Corpo de Fuzileiros Navais da China informou que não participará.
Os EUA têm participado dessa operação por cerca de dez anos, inicialmente como observadores, aumentando a cooperação nos últimos dois anos. A Marinha do Brasil não se posicionou sobre essa ausência.
Dentro do governo Lula, há resistência à presença de tropas americanas em Formosa, pois assessores acreditam ser inadequado realizar exercícios com uma nação que aplica sanções ao Brasil.
Também se acredita que o afastamento dos EUA se relaciona com o fortalecimento da cooperação militar entre Brasil e China.
Os chineses começaram a enviar tropas para exercícios conjuntos no Brasil no ano passado. Paralelamente, o Brasil aumentou sua representação militar na China, enviando um oficial-general para atuar na embaixada em Pequim pela primeira vez.
Apesar dos sinais de afastamento, três oficiais-generais afirmaram que a cooperação militar entre Brasil e EUA não está rompida.
Como exemplo, citaram que as Forças Armadas dos EUA enviaram cargueiros para Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no fim de julho, para o Exercício Conjunto Tápio, focado em simulações de guerra irregular, guerra eletrônica e missões de paz.
Também está previsto para novembro a Operação Core 2025, um exercício conjunto que visa padronizar procedimentos entre as forças para operações conjuntas e missões de paz. Até o momento, esse evento segue planejado normalmente, segundo integrantes do Ministério da Defesa.
Os sinais de insatisfação dos EUA vieram meses após a primeira visita do chefe do Comando Sul dos EUA, almirante Alvin Holsey, ao Brasil, ocasião que gerou desconfortos e cancelamentos de agendas.
Os EUA solicitaram que Holsey visitasse uma base do Exército em Rio Branco, Acre, local incomum para visitas diplomáticas. Houve uma tentativa brasileira de redirecionar a visita para Manaus, que não foi aceita, limitando a agenda de Holsey a Brasília.