Alexa Salomão
São Paulo, SP (FolhaPress)
Embora se diga que o aumento dos gastos públicos acontece por causa da chamada pauta-bomba — quando o Congresso aprova despesas extras sem a concordância do governo —, economistas que acompanham as contas do país afirmam que o crescimento dos gastos é, na verdade, principalmente motivado pelo próprio governo.
Evandro Buccini, sócio e diretor da gestora Rio Bravo Investimentos, explica que o termo pauta-bomba ficou famoso no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, devido à forte atuação do Congresso. Naquela época, em 2015, o Legislativo aprovou um aumento de R$ 22 bilhões nas despesas, quase anulando o corte de gastos de R$ 26 bilhões proposto para o ano seguinte, levando Dilma a vetar reajustes para servidores do Judiciário.
Buccini afirma que algo parecido não ocorre no atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele exemplifica que a oposição no Congresso focou em questões como o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), entendendo essa reação diante do aumento de impostos pelo governo.
“Não existe essa ideia de que o governo seja vítima da pauta-bomba, só se for uma bomba que ele mesmo se joga. Desde o começo, o governo é quem mais gasta”, afirma Buccini.
Os números confirmam essa visão. O economista Alexandre Schwartsman, consultor da Pinotti & Schwartsman, aponta que o maior aumento recente dos gastos públicos vem de decisões do governo federal.
Entre o final de 2022 e maio de 2025, corrigindo pela inflação, os gastos cresceram R$ 210 bilhões, e mais de 90% disso está concentrado em quatro áreas: R$ 75 bilhões com INSS, R$ 70 bilhões com Bolsa Família, R$ 30 bilhões com BPC (Benefício de Prestação Continuada) e cerca de R$ 30 bilhões com abono salarial.
“O novo Bolsa Família é uma decisão direta do governo. O INSS, BPC e abono sofrem pressão da demografia, mas o aumento decorre principalmente da elevação do salário mínimo, que foi determinada pelo governo”, explica Schwartsman.
Ele destaca que as emendas parlamentares, embora sejam um problema que precisa ser revisto, representam um valor muito menor, cerca de R$ 50 bilhões, frente ao total do gasto do governo que ultrapassa R$ 2,3 trilhões ao ano.
O economista Bráulio Borges, da LCA e colunista da Folha, acredita que o Congresso também tem participação no desequilíbrio fiscal, não elevando somente os gastos, mas também comprometendo as receitas.
“O Congresso não indicou compensação por desoneração da folha, que representa cerca de R$ 20 bilhões. Aprovou programas como o Perse, que custou R$ 18 bilhões em renúncia de receita, e o Propag, que reduz os juros da dívida dos estados com a União”, aponta Borges.
Ele lembra ainda que parte dos problemas vem da herança do governo anterior, como a explosão no número de beneficiários do BPC em 2022, que elevou os custos em cerca de R$ 30 bilhões.
“O Auxílio Brasil (atual Bolsa Família) subiu para R$ 600 em 2022, e todos os candidatos à presidência então afirmaram que manteriam esse valor, pois não havia possibilidade de redução. O custo anual atual varia entre R$ 150 bilhões e R$ 160 bilhões, sendo que antes era apenas um terço disso”, destaca.
Apesar disso, Borges concorda que o atual governo também tem responsabilidade por não adotar uma postura mais fiscalmente responsável, deixando muitos gastos fora do orçamento oficial.
O economista Gabriel Leal de Barros, chefe da ARX Investimentos, alerta para a pressão fiscal futura causada pela expansão de políticas parafiscais e crédito, que mantêm a economia aquecida e dificultam o controle da inflação, mesmo com juros altos.
Recentemente, o Copom do Banco Central interrompeu o ciclo de aumento da taxa Selic, que ficou em 15% ao ano, o maior valor em 19 anos. No entanto, as projeções de Barros indicam que os estímulos à economia somam R$ 238 bilhões em 2025 (2% do PIB) e R$ 376 bilhões em 2026 (2,9% do PIB).
Para 2027, ele prevê inflação de 3,8%, acima da meta básica de 3% do BC, devido ao volume de estímulos.
Esse pacote de estímulos inclui recursos de fundos, investimentos de estatais, crédito para trabalhadores, e o efeito futuro do programa Propag, todos fora do controle do arcabouço fiscal que limita o crescimento dos gastos.
Segundo Barros, governo e Congresso estão alinhados quando se trata de aumentar gastos e promover expansão fiscal.
Ele cita como exemplos recentes a ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 mensais, que foi ampliada pelo Congresso, e a PEC 66/2023, que exclui precatórios do teto de gastos e permite parcelamento de dívidas previdenciárias de estados, municípios e do Distrito Federal por até 25 anos.
O economista Marcos Mendes classificou a PEC 66 como um “pacotão de leniência” por essas medidas.