Quando o presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, e seu equivalente russo, Vladimir Putin, se reunirem no Alasca na sexta-feira (15/08), as delegações terão visões geográficas bastante distintas.
Para Washington, a Ucrânia possui cerca de 600 mil quilômetros quadrados. Já Moscou considera o país 20% menor, pois entende que uma grande parte do leste ucraniano pertence à Rússia.
Trump causou confusão ao mencionar repetidamente o encontro como uma reunião “na Rússia”, apesar dos EUA terem comprado o Alasca da Rússia em 1867. Ele também mencionou a intenção de negociar uma “troca de terras” entre Rússia e Ucrânia.
No entanto, a Ucrânia não controla nenhum território russo para oferecer. Sua ofensiva na região russa de Kursk, iniciada em agosto de 2024, está quase finalizada. Portanto, ela não possui peças territoriais para negociação, gerando temores de que Trump queira convencê-la a ceder terras à Rússia.
Territórios ucranianos sob domínio russo
A Rússia focou em conquistar o leste ucraniano nos últimos anos. Após a revolução pró-europeia da Maidan em 2014, tropas russas ocuparam a Península da Crimeia, violando normas internacionais. Em 18 de março daquele ano, a Rússia anexou oficialmente a região após um referendo não reconhecido no Ocidente.
Combatentes russos desestabilizaram as regiões de Donetsk e Lugansk, que juntas formam o Donbass, uma bacia rica estrategicamente que deságua na Rússia. Em fevereiro de 2022, a Rússia reconheceu como independentes as autoproclamadas “repúblicas populares” pró-Rússia nessas áreas e iniciou invasão em larga escala três dias depois.
A Ucrânia conseguiu conter em grande parte os avanços iniciais pelo norte, mas a Rússia domina atualmente cerca de dois terços de Donetsk, quase toda Lugansk, e partes significativas de Zaporíjia e Kherson, embora sem controle total.
Em setembro de 2022, a Rússia organizou referendos nas quatro regiões para justificar a anexação. Um relatório do Conselho da Europa aponta que moradores enfrentam violência e coerção na área, e quem rejeita a cidadania russa perde acesso a serviços essenciais como educação e saúde.
Importância do Donbass
O Donbass tem alto valor geopolítico para a Rússia. A região é rica em carvão e minérios, sendo centro de indústrias siderúrgicas e químicas. Também se acredita possuir depósitos de terras raras, cruciais para tecnologias de ponta e energia renovável futura.
Além disso, as regiões do leste formam corredor terrestre até a Crimeia, isolando a Ucrânia do Mar de Azov.
Para a Ucrânia, o Donbass é militarmente vital, pois contém sua principal linha defensiva contra o avanço russo.
Negociações recentes entre EUA e Rússia sugerem concessões territoriais: a Rússia quer total controle sobre Donetsk e Lugansk, em troca da devolução de Kherson e Zaporíjia. No entanto, um estudo do Instituto para o Estudo da Guerra alerta que ceder Donetsk obrigaria a Ucrânia a abandonar sua defesa principal, sem garantias contra novos conflitos.
Aspectos constitucionais
Após os referendos, a Rússia alterou sua Constituição para incluir os territórios anexados como parte integrante. Reverter isso implicaria enormes barreiras legais e políticas, e seria mal visto pela população russa.
A Ucrânia, por sua vez, não pode ceder terras legalmente. O presidente Volodimir Zelenski cita frequentemente o artigo 133 da Constituição, que menciona todas as regiões, incluindo as ocupadas pela Rússia. A Constituição ainda garante autonomia parcial à Crimeia.
O artigo 2 afirma que o território ucraniano é indivisível e só pode ser alterado por referendo nacional, sendo emendas constitucionais permitidas apenas após suspensão da lei marcial.
Segundo o direito internacional, a invasão russa e os referendos são ilegais.
Posição da Otan
O secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Mark Rutte, provocou polêmica ao declarar à emissora americana ABC que um acordo futuro poderia reconhecer que a Rússia exerce controle prático sobre parte do território ucraniano. Essa declaração levantou dúvidas se isso implica aceitar a perda de território ucraniano e redesenho de fronteiras pela força.
Rutte afirmou que juridicamente o Ocidente nunca poderá aprovar tal situação, mas que um reconhecimento fático é possível. Ele citou o exemplo das embaixadas dos EUA nos países bálticos entre 1940 e 1991, época em que a União Soviética ocupava Estônia, Letônia e Lituânia. Em tal período, os EUA reconheceram a ocupação soviética na prática, mas mantiveram relações com a oposição local.

