Vice-presidente assume a responsabilidade do governo por conter o desmatamento e promete um plano de metas semestrais. Saída do Acordo de Paris é descartada
Há um sentimento de otimismo por parte dos empresários que se reuniram virtualmente, na tarde desta sexta-feira, com o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, para falar sobre Amazônia. Segundo Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que coordenou o encontro, Mourão assumiu a responsabilidade do governo por conter o desmatamento ilegal na região. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também participou da reunião.
O vice-presidente se comprometeu a elaborar um plano de metas semestrais para acompanhar os trabalhos de prevenção ao desmatamento ilegal. Mourão comanda o Conselho Amazônia, colegiado de 14 ministérios cujo objetivo é coordenar ações federais na Amazônia.
Segundo Grossi, a maioria dos empresários relatou prejuízos aos seus negócios em decorrência do aumento no desmatamento. Alguns chegaram a relatar quedas no fluxo de investimentos estrangeiros e dificuldades de acesso a mercados desenvolvidos. “Os empresários querem vender seus produtos em mercados de alto valor, que paga um prêmio pela conservação do meio ambiente”, afirmou, em coletiva realizada após o encontro.
A forma como foi conduzida a reunião não permitiu que Mourão tentasse justificar o aumento do desmatamento, diz Grossi. “Sabemos que 98% do desmatamento é ilegal. Então, não tem explicação, é crime”, diz ela.
Outra questão dada como pacificada é a manutenção do Brasil no Acordo de Paris. O presidente Jair Bolsonaro chegou a aventar a possibilidade de o país deixar o acordo, a exemplo do que fez os Estados Unidos. “Todos ali partiam da premissa de que o Brasil vai continuar no acordo”, diz Grossi. “Sair não é uma opção.”
Participaram da reunião:
- Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds)
- Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag)
- Paulo Hartung, presidente da Indústria Brasileira da Árvore (Ibá)
- João Paulo Ferreira, CEO na América Latina da Natura
- Water Schalka, CEO da Suzano
- André Araujo, CEO da Shell
- Paulo Sousa, CEO da Cargill
- Marcos Antonio Molina dos Santos, presidente do conselho de administração da Marfrig
- Candido Botelho Bracher, CEO do Itaú
- Luiz Eduardo Osorio, diretor executivo de relações institucionais, comunicação e sustentabilidade da Vale.
Críticas internacionais
Internacionalmente, o governo brasileiro vem sendo duramente criticado pelo aumento recente no desmatamento. “A imagem externa afeta o ambiente interno de negócios”, afirma Alexei Bonamin, sócio de mercado de capitais do escritório TozziniFreire Advogados. “Não é uma questão de ideologia. Precisamos encarar o assunto de maneira técnica e pragmática.”
Há duas semanas, 29 instituições financeiras que gerenciam mais de 3,7 trilhões de dólares em ativos enviaram uma carta a nove embaixadas brasileiras dizendo que o Brasil precisa frear o desmatamento na Amazônia, sob risco de alimentar “uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil.”
“Nós precisamos desse capital estrangeiro e ele tem ido embora”, afirma Gustavo Pimentel, diretor da Sitawi, especializada em investimentos de impacto. “No momento em que o governo fala sobre um plano de investimentos em infraestrutura em parceria com a iniciativa privada, não pode enviar mensagens trocadas.”
Na manhã de ontem, o governo realizou outra reunião com investidores estrangeiros para tentar convencê-los de que tem atuado para reduzir o desmatamento na região da Amazônia Legal. Após a reunião, Mourão, disse que os investidores internacionais querem “ver resultados” na área ambiental para destinar recursos para o Brasil.O vice-presidente ressaltou que os investidores não se comprometeram com investimentos.
Risco às exportações
A deterioração da imagem do Brasil lá fora também prejudica as exportações. Empresas como a Natura, que recentemente comprou a Avon, terão dificuldade de acessar mercados externos de alto valor agregado, como os europeus, caso seus produtos sejam associados ao desmatamento. A Cargill, recentemente, teve suas rações bloqueadas por um dos maiores produtores de salmão da Noruega em virtude da presença de soja brasileira. “Para o agronegócio, essa é uma pauta fundamental. Produzir de forma sustentável é mais rentável”, afirma Grossi, do Cebds.
Ações de marketing ou campanhas publicitárias não serão suficientes para limpar a imagem brasileira da fuligem dos desmatamentos. Desde a Eco 92, no Rio de Janeiro, o Brasil assumiu uma série de compromissos internacionais relacionados ao clima — muitos deles surgiram por iniciativa do próprio país.
Para Nour Bouhassoun, presidente da Michelin na América do Sul, esses compromissos são prioritários e é para isso que a carta chama a atenção. “Estamos convictos de que não há futuro sem que tudo seja sustentável”, afirma Bouhassoun. “Além de uma ameaça à vida, que é o mais preocupante, o desmatamento ilegal causa problemas econômicos sérios, pois impacta diretamente diversos negócios e investimentos. Dessa forma, entendemos ser de fundamental importância a carta enviada ao vice-presidente da República.”