Representantes de empresas e associações do Brasil participaram, nesta quarta-feira (3/9), de uma audiência pública no Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), em Washington. O encontro ocorreu dentro do contexto da apuração de supostas práticas comerciais ‘desleais’ atribuídas ao Brasil.
A iniciativa do governo dos EUA, anunciada em 15 de julho, examina atividades comerciais no Brasil que são vistas como injustas. Entre os temas abordados estão o Pix, o desmatamento ilegal, direitos de propriedade intelectual e o mercado de etanol.
Durante a audiência, diversos setores tiveram a oportunidade de se expressar. O embaixador Roberto Azevêdo, consultor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), defendeu a indústria brasileira argumentando que não há provas de discriminação ou prejuízo injusto a empresas americanas. Pelo contrário, destacou que as companhias dos EUA geralmente se beneficiam das políticas brasileiras.
No setor agropecuário, Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), rejeitou qualquer insinuação de que os produtos brasileiros utilizem práticas comerciais ou ambientais inapropriadas para acessar o mercado dos Estados Unidos.
O segmento da cafeicultura foi representado por Marcos Antonio Matos, diretor do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que salientou a relevância do café brasileiro, responsável por mais de 30% do mercado americano da bebida. O café também está entre os produtos sujeitos a tarifas de 50% impostas pelo governo do então presidente dos EUA, Donald Trump, como parte da rodada tarifária iniciada no começo de agosto.
Missão empresarial
A audiência fez parte da agenda de um grupo de aproximadamente 130 empresários e representantes de associações industriais brasileiras em visita aos Estados Unidos. Liderada pela CNI, essa missão tem como objetivo abordar as tarifas aplicadas pelos EUA a produtos brasileiros e definir estratégias com autoridades e instituições locais.
A programação também inclui encontros com empresários, legisladores norte-americanos, parceiros institucionais e uma audiência com a embaixadora do Brasil nos EUA, Maria Luiza Ribeiro Viotti.
A comitiva inclui associações setoriais como Abimaq (máquinas e equipamentos), Abrinq (brinquedos), Abal (alumínio), Abiec (carnes), Abimci (madeiras), Cecafé (café), ABFA (ferramentas), Anfacer (cerâmica), CentroRochas (rochas) e CICB (couro). Entre as empresas participantes estão Embraer, Siemens Energy, Stefanini, Novelis e Tupy.
Também fazem parte da delegação líderes de oito federações estaduais da indústria dos estados de Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo.
A programação se iniciou com reuniões no Capitólio e encontros bilaterais na quarta-feira, estendendo-se até quinta-feira (4/9), quando ocorrerá o Diálogo Empresarial Brasil-EUA.
Investigação dos EUA
A apuração está fundamentada na Seção 301 da Lei Comercial dos Estados Unidos, que autoriza o governo norte-americano a investigar possíveis violações ou irregularidades comerciais por parte de países estrangeiros.
Sobre o comércio digital e serviços de pagamento eletrônico, os EUA alegam que o Brasil criou obstáculos para empresas de tecnologia americanas, referenciando decisões da Suprema Corte relacionadas às grandes empresas de tecnologia. Além disso, mencionam o Pix como uma prática desleal no âmbito dos serviços de pagamento eletrônico.
O governo dos EUA também alega que o Brasil reduziu tarifas de maneira injusta ao firmar acordos comerciais com parceiros importantes, prejudicando os Estados Unidos ao impor tarifas maiores sobre importações americanas.
A carta questiona ainda a diminuição do combate à corrupção e da transparência, o que poderia afetar negativamente empresas americanas. Outro ponto é a alegação de que o Brasil falhou em proteger direitos de propriedade intelectual, impactando empresas americanas de tecnologia e criatividade.
Quanto ao etanol, os EUA reclamam das tarifas elevadas e de um suposto desequilíbrio comercial decorrente da decisão do Brasil de acabar com o tratamento recíproco praticamente isento de impostos. Também criticam o desmatamento ilegal, argumentando que a destinação dessas áreas para a agricultura gera vantagens injustas para produtores brasileiros em relação aos americanos.
Em 18 de agosto, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu ao USTR afirmando que não reconhece a validade da investigação comercial iniciada.
Conforme explicou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, a base legal utilizada para o inquérito lançado pelo governo de Donald Trump é uma legislação exclusiva dos Estados Unidos, da qual o Brasil não é signatário nem está sujeito.