Uma caneta de Mounjaro como presente simbolizaria a ligação próxima entre o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado, e o empresário Roberto Augusto Leme da Silva, conhecido como Beto Louco. Este último está foragido e é investigado pela Polícia Federal por suspeita de liderar um esquema de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis, tendo sido alvo das operações Carbono Oculto, Tank e Quasar.
Entre as suspeitas envolve-se a conexão de postos de gasolina investigados com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Mensagens trocadas em 2024 entre Beto Louco e um motorista particular em Brasília, às quais o portal UOL teve acesso, mostram a proximidade e a entrega ao senador Alcolumbre da caneta de Mounjaro, medicamento ainda não aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para comercialização no Brasil na época.
A promessa deste presente ocorreu durante a festa de aniversário de 49 anos de Antonio Rueda, presidente do União Brasil, partido do senador. No almoço oferecido por Rueda, estavam presentes Alcolumbre e Beto Louco.
Alcolumbre teria comentado com convidados sobre as dificuldades para obter Mounjaro, que só seria liberado no Brasil em junho de 2025. O mercado paralelo, incluindo conexões internacionais, era o meio para conseguir o medicamento, que em agosto de 2024 custava cerca de R$ 15 mil para um mês de uso.
Beto Louco se ofereceu para ajudar, mencionando uma mulher chamada Franciele, que viajava frequentemente para Dubai, Emirados Árabes, e poderia trazer a caneta para o Brasil. O empresário comprometeu-se a providenciar as canetas com esse contato e entregá-las rapidamente em Brasília, utilizando como intermediário um motorista particular não identificado.
A missão foi bem-sucedida. O motorista enviou uma mensagem a Beto Louco confirmando a entrega feita por Janduí Nunes Bezerra Filho, motorista pessoal de Alcolumbre e atualmente auxiliar parlamentar sênior em seu gabinete, com salário bruto de R$ 14,5 mil.
“Fala pra ele que está entregue, está tudo certo. O senador já está ciente, já conversei com ele aqui. Dei um jeito de falar com ele que recebi o material, já está entregue”, disse Janduí.
Operações do PCC no setor de combustíveis
A organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que movimentou bilhões no setor de combustíveis, tinha como figuras centrais Mohamad Hussein Mourad, apelidado de “Primo” ou “João”, e Roberto Augusto Leme da Silva, o “Beto Louco”. Ambos foram alvos da operação Carbono Oculto, realizada em agosto de 2024 em oito estados, e são acusados de liderar uma complexa rede criminosa que abrangia desde usinas até postos de gasolina.
Mourad, que se apresentava como CEO da G8LOG e consultor do grupo Copape, construía uma imagem pública de empresário disciplinado e focado em bons resultados. Contudo, segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP), ele comandava uma rede bilionária de fraudes fiscais e lavagem de dinheiro do PCC.
Em 2020, Mourad adquiriu a Copape (formuladora de gasolina) e a Aster Petróleo (distribuidora) por R$ 52 milhões. Estas empresas serviam para gerar créditos fiscais falsos, inflar preços em transações internas e lavar dinheiro ilícito.
O grupo também utilizava a Terra Nova Trading, com sede em Tocantins, para importar nafta com imposto reduzido (1% contra 25% em São Paulo), reduzindo ilegalmente o custo de produção de combustíveis. Essa prática garantia margens milionárias para o esquema e causava um enorme prejuízo aos cofres públicos.
Beto Louco atuava como gestor do esquema, coordenando fraudes contábeis e movimentação financeira, operando fundos de investimento e empresas de participações que ocultavam o patrimônio da organização criminosa. Enquanto Mourad centralizava a compra de usinas, postos e distribuidoras, Beto Louco mantinha o esquema invisível, usando estruturas societárias complexas para dificultar a identificação dos verdadeiros donos, inspiradas em offshores e empresas de fachada.
Do posto de gasolina ao mercado financeiro
As investigações indicam que o grupo controlava mais de 300 postos de combustíveis envolvidos em adulteração, fraude em bombas e sonegação fiscal. A Secretaria da Fazenda de São Paulo aplicou multas que ultrapassam R$ 2 bilhões apenas à Copape.
Além disso, o esquema expandiu-se para o mercado financeiro. Pelo menos 40 fundos de investimento, avaliados em R$ 30 bilhões, foram identificados pela Receita Federal como veículos para lavagem de dinheiro do PCC, muitos localizados na Avenida Faria Lima, em São Paulo, com operadores inseridos no mercado de capitais.
As estimativas indicam que o grupo tenha sonegado R$ 7,6 bilhões em impostos. As investigações continuam para mapear todo o patrimônio oculto e determinar o alcance da rede que financiava a facção criminosa.

