RANIER BRAGON E BRUNO BOGHOSSIAN
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Nos últimos dez anos, o valor das emendas parlamentares cresceu R$ 170 bilhões acima da inflação, gerando um conflito entre os três Poderes do país.
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), declarou recentemente que o Congresso está disposto a discutir cortes nos benefícios, uma postura inédita.
No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino sinaliza que pretende avaliar a possibilidade de mudar a obrigatoriedade das emendas, o que é apoiado pelo governo do presidente Lula (PT), que busca retomar parte dos recursos de investimento que estão atualmente sob controle do Legislativo.
A discussão sobre o assunto ganhou força após uma campanha nas redes sociais sobre a desigualdade na taxação, iniciada pelo PT e aliados, que colocou o Congresso na mira. Além disso, investigações de corrupção envolvendo o uso das emendas, conduzidas pelo STF, aumentaram o debate.
Cada um dos 513 deputados e 81 senadores pode direcionar recursos do Orçamento para suas bases eleitorais. Até 2013, as emendas não eram obrigatórias e o governo podia escolher quais pagar, geralmente as usando para negociar apoio político.
Com o enfraquecimento da ex-presidente Dilma Rousseff, o Congresso começou a tornar essas emendas obrigatórias. No governo de Jair Bolsonaro, os valores destinados às emendas cresceram muito, assim como a obrigatoriedade de seu pagamento.
Em 2015, foram empenhados R$ 3,4 bilhões em emendas, o que significava uma média de R$ 5,8 milhões por deputado ou senador. Em 2024, esse número aumentou para R$ 44,9 bilhões, média de R$ 75,6 milhões por parlamentar.
Para 2026 está prevista a destinação de R$ 54,2 bilhões para emendas, sendo 77% desse valor de execução obrigatória pelo governo.
Hugo Motta explicou que sua declaração sobre cortes estava relacionada à redução de benefícios fiscais e gastos do Executivo, mas ressaltou a importância de haver cortes também nos três Poderes.
Líderes partidários que falaram com a Folha afirmaram que, por enquanto, essa discussão não está avançando na Câmara. Alguns acham que as declarações de Motta são apenas para responder à crítica de que o Congresso protege privilégios de ricos.
Outros entendem que as declarações indicam que, na prática, nada deve mudar.
É improvável que haja acordo entre governo, Congresso e Judiciário para mudanças profundas, como congelar o salário mínimo ou acabar com penduricalhos de benefícios.
No fim de 2022, o STF deu um primeiro passo para controlar o modelo atual ao suspender as chamadas ‘emendas de relator’, que não são obrigatórias e eram usadas para garantir apoio político dentro do Congresso. Essa decisão foi confirmada pelos outros ministros.
Mesmo assim, o Congresso encontrou uma forma de manter o controle, transferindo recursos para as chamadas emendas de comissão, que na prática são decididas pelos líderes do Legislativo.
Flávio Dino, que foi indicado ao STF em 2024 pelo presidente Lula, assumiu uma postura de confronto com o Congresso sobre essas emendas. Ele determinou que a liberação das emendas só pode acontecer com transparência total, exigindo a abertura de contas específicas e a identificação dos parlamentares responsáveis.
Recentemente, Flávio Dino promoveu uma audiência pública para debater o tema, com participação majoritária de críticos ao modelo atual.
Há expectativas no Congresso de que o ministro possa tomar novas decisões para limitar o volume e a obrigatoriedade das emendas, o que provavelmente ampliaria o conflito entre os Poderes, sendo visto como uma ação do governo Lula, através de seu indicado no STF.
