Papel da França antes, durante e depois do genocídio de Ruanda é um tema sensível há anos, e chegou a provocar o rompimento das relações diplomáticas entre Paris e Kigali entre 2006 e 2009
O presidente francês, Emmanuel Macron, disse nesta quinta-feira (27) em Ruanda que reconhece “as responsabilidades” da França no genocídio de 1994 neste país africano, em um discurso pronunciado no memorial de Kigali.
A França “não foi cúmplice”, mas permitiu “por tempo demais que o silêncio prevalecesse sobre o exame da verdade”, disse ele, acrescentando que “apenas aqueles que cruzaram a noite poderão talvez nos perdoar, dar-nos o presente do perdão”.
O esperado discurso aconteceu durante uma visita oficial a Ruanda, anunciada como “o passo final na normalização das relações” entre ambos os países, após mais de 25 anos de tensões pelo papel da França na tragédia. Foram pelo menos 800 mil mortos, tutsis em sua maioria, entre abril e julho de 1994.
“Hoje aqui, com humildade e respeito, venho reconhecer nossas responsabilidades”, disse Macron no discurso pronunciado no museu do memorial sobre o genocídio.
“Reconhecer este passado é também, e acima de tudo, continuar o trabalho da Justiça. Comprometemo-nos a garantir que nenhum suspeito de crimes de genocídio possa escapar do trabalho dos juízes”, acrescentou.
Macron frisou, no entanto, que a França “não foi cúmplice”.
O papel da França antes, durante e depois do genocídio de Ruanda é um tema sensível há anos, e chegou a provocar o rompimento das relações diplomáticas entre Paris e Kigali entre 2006 e 2009.
Um relatório de historiadores publicado em março e coordenado por Vincent Duclert concluiu que a França tinha “responsabilidades pesadas e avassaladoras” e que o então presidente socialista François Mitterrand e seu entorno foram “cegados” pela deriva racista e genocida do governo hutu, então apoiado por Paris.
A associação de sobreviventes do Ibuka lamentou a falta de um pedido de “desculpas” de Macron.
No Memorial do Genocídio, repousam os restos mortais de 250.000 das mais de 800.000 vítimas de uma das tragédias mais sangrentas do século XX.
Com este discurso, Macron vai mais longe que seus antecessores, em particular Nicolas Sarkozy, o único presidente francês a ter viajado para Kigali desde o genocídio de 1994. Sarkozy reconheceu “graves erros” e “uma forma de cegueira” das autoridades francesas, que tiveram consequências “absolutamente dramáticas”.
– ‘Normalização’
Para o presidente de Ruanda, Paul Kagame, que liderou a rebelião tutsi que pôs fim ao genocídio, o relatório dos historiadores marcou uma mudança de rumo nas relações entre ambos os países.
Durante visita à França na semana passada, Kagame declarou que o informe abriu o caminho para que França e Ruanda tenham “uma boa relação”.
“Posso viver com as conclusões do relatório”, disse Kagame em entrevista aos veículos France 24 e RFI.
“Podemos deixar o resto para trás e seguir em frente”, acrescentou.
Para concretizar a normalização das relações bilaterais, os dois presidentes poderão chegar a um acordo sobre o retorno de um embaixador francês a Kigali. O posto se encontra vago desde 2015.
Outro passo será a inauguração, por parte de Macron, do Centro Cultural Francófono em Kigali, um estabelecimento que “terá a vocação de promover não apenas a cultura francesa, mas também todos os recursos da francofonia, especialmente os artistas da região”, segundo a Presidência.
Depois de Ruanda, Macron segue para a África do Sul, onde se reunirá com o presidente Cyril Ramaphosa para abordar a luta contra a pandemia da covid-19 e seu impacto na economia mundial.