Apesar das críticas do republicano aos latinos, López Obrador optou pelo pragmatismo para lidar com o imprevisível Trump
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, visita nesta quarta-feira (8) seu colega americano, Donald Trump, conhecido por sua dura retórica antimexicana, em um ponto crítico da pandemia e no calor da campanha presidencial de novembro nos EUA.
É a primeira viagem de López Obrador ao exterior em 18 meses de governo, na qual ele optou pelo pragmatismo para lidar com o imprevisível Trump. Na campanha eleitoral de 2016, o então candidato americano chamou os mexicanos de “estupradores” e “criminosos” e insistiu na construção de um muro na fronteira.
Segundo AMLO, amanhã, o objetivo será celebrar a entrada em vigor do novo acordo de livre-comércio norte-americano T-MEC (ou USMCA, na sigla em inglês) e agradecer a Trump por facilitar a compra de equipamentos para enfrentar a COVID-19.
Com mais de 30.000 mortos, o México é o segundo país com mais vítimas fatais pela doença na América Latina.
“Não é surpreendente que AMLO faça sua primeira viagem para fora do país, como presidente, à Casa Branca. Sua política para os Estados Unidos sob Trump tem sido (…) evitar qualquer conflito”, e ele conseguiu, disse à AFP o diretor do “think tank” Inter-American Dialogue, Michael Shifter, com sede em Washington.
O presidente mexicano, que embarca hoje e retorna na quinta-feira, concentra no T-MEC suas esperanças de recuperação da economia mexicana, que poderá cair até 8,8% este ano, devido à crise da saúde.
Para além do acordo comercial, que também envolve o Canadá, a visita de López Obrador ocorre a quatro meses da eleição presidencial.
Críticas à visita
Os congressistas democratas hispânicos pediram a Trump que cancele o encontro, alegando que “politiza” a relação bilateral.
Em nota divulgada ontem, porém, a Casa Branca disse que o presidente receberá López Obrador “como parte de sua aliança contínua sobre comércio, saúde e outros assuntos fundamentais para a prosperidade e a segurança da região”.
Diante da insistência dos comentários de que Trump poderá usar a reunião para fins eleitorais, López Obrador alega que não viaja para “fazer política partidária”, mas para uma “reunião de trabalho”.
Ele afirma, porém, que “a política é como andar na corda bamba, é preciso correr riscos”.
Hoje, vivem nos EUA cerca de 12 milhões de pessoas nascidas no México e 26 milhões de segunda, ou terceira, gerações. Em 2019, suas remessas para sua terra natal somaram US$ 36,045 bilhões.
Superado nas pesquisas de opinião por seu concorrente democrata Joe Biden, o presidente dos EUA lida com os efeitos devastadores da COVID-19, que fez dos Estados Unidos o país com mais mortes (130.000) e infectados (2,8 milhões).
O presidente mexicano descartou uma reunião com Biden, argumentando que “não seria correto (…) falar com candidatos”.
Na opinião do ex-ministro das Relações Exteriores Jorge Castañeda (2000-2003), a visita de López Obrador é “desnecessária”, apresenta “muitos riscos e nenhuma vantagem para o México” – além de não agregar nada ao T-MEC.
Castañeda questiona que o presidente possa acabar dando um impulso eleitoral a Trump, sem sequer poder abordar temas urgentes para o país, como o envio dos Estados Unidos para o México de demandantes de refúgio, enquanto aguardam uma resposta dos órgãos competentes, uma medida imposta por Washington.
Também não está na pauta a crescente deportação de mexicanos que vivem há anos nos Estados Unidos, ou o cancelamento de vistos de trabalho sob o pretexto da crise deflagrada pela pandemia.
Castañeda sustenta que outras questões deveriam estar sobre a mesa, como os danos sofridos pelas comunidades fronteiriças mexicanas pelas restrições de trânsito, devido à COVID-19, assim como o tráfico de drogas e armas que causa milhares de mortes no país latino-americano.
“Mas agora Trump se dedica exclusivamente à sua reeleição, à pandemia e à economia … Não parece um momento muito favorável”, acrescenta.
Para o internacionalista Hernán Gómez, o encontro ajuda Trump a “reforçar sua narrativa de que alcançou sucesso nas promessas de campanha”, ao substituir o NAFTA (na sigla em inglês) pelo T-MEC.