IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
A Eletronuclear, empresa estatal que administra as usinas de Angra 1 e 2, solicitou um apoio financeiro de R$ 1,4 bilhão ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva para conseguir pagar suas contas que vencem até o final de 2025. A empresa prevê começar a faltar dinheiro já em novembro deste ano.
Em documento enviado recentemente à ENBPar, companhia estatal que representa a União na gestão das usinas, a Eletronuclear avisou que atrasar pagamentos pode causar uma reação em cadeia, antecipando dívidas no valor de cerca de R$ 6,5 bilhões, bloqueio de receitas usadas como garantia para financiamentos e a inviabilidade definitiva do projeto Angra 3, que pode gerar prejuízos de R$ 21 bilhões.
“Isso significa risco de parada financeira e operacional da Eletronuclear já a partir de novembro de 2025, devido à falta de dinheiro, com possíveis consequências graves”, diz o documento.
Este pedido de ajuda é o mais recente entre vários feitos pela empresa nos últimos meses. A situação ocorre enquanto a parte privada da empresa, que possui quase 68% das ações, está mudando de dono. A Âmbar Energia, ligada à J&F dos irmãos Joesley e Wesley Batista, acordou comprar a participação da Eletrobras na Eletronuclear por R$ 535 milhões.
Até a conclusão deste negócio, as duas partes tentam evitar assumir responsabilidade pelos problemas financeiros imediatos da Eletronuclear.
A Axia Energia, parte que vendeu suas ações, afirma que a fragilidade financeira da estatal foi considerada na negociação e que suas obrigações ficam restritas ao projeto Angra 3. Já a J&F diz que ainda não é oficialmente dona da participação e, apesar de pensar em investir no futuro, não pode responder pelos atuais problemas financeiros.
Ambas as partes não comentaram quando procuradas.
O risco é que o governo federal tenha que arcar com as contas dessa crise. A empresa avisou que, sem uma solução rápida, poderá depender do Tesouro Nacional para pagar funcionários e despesas operacionais.
Isso seria ruim para o governo, que teria que cortar gastos em outras áreas para colocar dinheiro na Eletronuclear. A equipe econômica enfrentou situação parecida com os Correios, que receberam um empréstimo de R$ 20 bilhões garantido pelo governo.
Em setembro, relatório enviado ao Ministério de Minas e Energia detalhou a situação difícil da Eletronuclear.
Em dezembro de 2025, a empresa terá que pagar uma dívida de R$ 570 milhões contraída para garantir a prorrogação da licença de Angra 1 por mais 20 anos.
A Eletronuclear esperava quitar essa dívida com a emissão de R$ 2,4 bilhões em debêntures, que seriam compradas pela J&F, mas a operação ainda não ocorreu. A empresa espera concluir esse processo até dezembro.
Sem esses recursos, a Eletronuclear pode não conseguir pagar suas dívidas, correndo o risco de multas, juros e aceleração de pagamentos a outros credores, como o BNDES e a Caixa Econômica Federal. Estas instituições não comentaram o caso.
O documento também aponta um débito de R$ 450 milhões com a Indústrias Nucleares do Brasil, que fornece combustível para as usinas, valor que já chegou a cerca de R$ 700 milhões em outubro.
A empresa gasta cerca de R$ 1 bilhão por ano com a manutenção e a dívida do projeto Angra 3, que ainda não gera receita. Esse gasto compromete o caixa da empresa, pois não é coberto pela tarifa de energia.
No relatório, a ENBPar indica o valor que a União precisaria investir na Eletronuclear e sugere que esse aporte seja condição para a emissão das debêntures.
“Para a emissão analisada, que visa o programa de extensão da vida útil de Angra 1, é necessário um aporte mínimo do controlador, estimado em R$ 1,4 bilhão, para evitar perda de controle da Eletronuclear. Essa condição decorre de acordo e regras de capitalização”, explicou a empresa.
O Ministério da Fazenda declarou que mantém uma posição cautelosa sobre pedidos de aporte em estatais, mas apoia melhorias na gestão e soluções independentes.
“Qualquer pedido de reequilíbrio deve estar fundamentado em um plano detalhado de sustentabilidade, a ser avaliado primeiramente no setor e junto à coordenação das estatais”, afirmou.
Sem garantias de aporte, a Eletronuclear busca outras alternativas, como ser enquadrada nas regras do Decreto nº 12.500 de 2025, que permite um plano de ajuste financeiro para estatais sem dependência imediata.
Assim, a empresa poderia receber recursos federais sem se tornar dependente, mas teria prazo de dois anos para implementar o plano. A aprovação depende do Ministério de Minas e Energia e do Ministério da Gestão e Inovação, que não comentaram.
A Eletronuclear também tenta liberar cerca de R$ 1,2 bilhão de um fundo criado para financiar o desmonte seguro das usinas nucleares, valor que depende de análise da Aneel e da Agência Nacional de Segurança Nuclear, podendo ser liberado parcialmente.
Em setembro, o ministro Alexandre Silveira alertou que os recursos previstos para a empresa no orçamento de 2026 foram retirados, o que compromete a solvência da Eletronuclear e o cumprimento de compromissos.
A Eletronuclear afirma que qualquer solução financeira ajudará temporariamente, mas não resolverá todos os problemas. “O custo de R$ 1 bilhão por ano de Angra 3 é insustentável e ameaça a saúde financeira das outras usinas. A tarifa atual cobre apenas Angra 1 e 2. Sem uma decisão definitiva sobre o projeto, a empresa segue em risco de desequilíbrio”, declarou.
