Das 170 mil mulheres que estão na disputa eleitoral deste ano, ao menos 5 mil podem servir de “laranjas” para seus partidos cumprirem a cota de gênero
Sem nunca ter disputado uma eleição na vida, a dona de casa Adriana Ferreira de Aguiar, de 38 anos, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que foi chamada para concorrer a uma vaga na Câmara Municipal de Santo Antônio do Itambé (MG), uma cidade de pouco mais de 4 mil habitantes, pelo PT apenas para “preencher folha”. Segundo ela, não lhe prometeram nenhum benefício em troca. “Só me pediram para entrar para dar uma ajuda, porque tem que ter participação de algumas mulheres”, disse. Segundo Adriana, outras pessoas fizeram o mesmo na cidade, inclusive sua própria irmã.
A 63 km dali, em Presidente Kubitschek (MG), município de 3 mil habitantes, a dona de casa Oliene Aparecida da Silva, de 43 anos diz que foi convidada a concorrer a uma vaga de vereadora pelo Solidariedade. “Eles precisavam de duas mulheres para compor a chapa. Aceitei ajudar. Mas não estou trabalhando com a campanha, não é meu interesse ganhar”, admitiu ela à reportagem.
Oliene sabe que foi usada como “laranja” para o partido conseguir cumprir a cota de 30% de mulheres, mas disse que topou pela promessa de um emprego na prefeitura.
Adriana, Adelayde e Oliene não têm nenhum rastro de campanha nas redes sociais. Elas não fizeram santinhos, “lives” ou participaram de comícios. A três dias das eleições, a prestação de contas delas ainda estava no zero na quinta-feira: não gastaram nada e também não receberam doações ou transferências do partido.
Das cerca de 170 mil mulheres que estão na disputa eleitoral deste ano, ao menos 5 mil (o equivalente a 3%) podem estar na mesma situação, ou seja, apenas servem de “laranjas” para seus partidos cumprirem a cota de gênero. O levantamento, feito pelas equipes dos deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) e do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) no Congresso, se baseou em características comuns a candidaturas lançadas para fraudar o processo eleitoral.
Desde 2009, os partidos são obrigados a ter ao menos três mulheres para cada sete homens concorrendo às eleições. Além disso, a partir de 2018, as siglas precisam destinar, no mínimo, 30% do que recebem do fundo eleitoral – dinheiro público usado para bancar as campanhas – às candidatas. Quem não cumpre essa regra pode ficar sem os recursos e ainda ter toda a chapa de vereadores cassada pela Justiça Eleitoral.
Critérios
Para chegar ao número de 5 mil potenciais “laranjas” nestas eleições, a equipe do gabinete compartilhado dos parlamentares usou inteligência artificial para cruzar registros eleitorais de 2004 para cá e os comparou com as informações prestadas pelas candidatas neste ano, entre outros dados.
Ao todo, o levantamento considerou 35 aspectos que indicam a possibilidade de uma candidata ser “laranja”, como ausência de declaração de renda, escolaridade baixa, nenhum gasto de campanha declarado e baixo número de mulheres filiadas ao partido na cidade em que ela disputa.
A comprovação da fraude, no entanto, só deverá ser possível após as eleições, já que o número de votos que cada candidata recebe é um fator importante para se determinar se ela concorreu de fato ou não. Em geral, as “laranjas” não recebem mais do que um voto. “As candidaturas laranjas vão continuar existindo enquanto duas coisas não mudarem: fiscalização frouxa e falta de formação política”, afirmou o senador Alessandro Vieira.
Regras para evitar fraudes são consideradas frágeis. O PSL, partido com a segunda maior bancada da Câmara, é investigado em Minas e em Pernambuco sob suspeita de ter usado “laranjas” na última eleição.
“É uma norma que é um incentivo que não incentiva. Você não tem como, por meio da lei, exigir que uma candidatura seja efetiva, então, o único tipo de cota efetiva é cota de assento no Parlamento”, disse a professora de Ciência Política da FGV Graziella Testa.
A bancada feminina na Câmara tenta avançar com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reservar um número certo de vagas nos legislativos municipal, estadual e federal para mulheres.
“O que vemos com as candidaturas laranjas não tem nada a ver com uma percepção de que as mulheres não se interessam por política, pelo contrário. Temos mulheres que querem entrar para a política mas a resistência estrutural faz com elas não tenham vez”, afirmou Tabata.
Campanhas afirmam que mulheres estão na disputa
Campanhas de cidades em que o levantamento feito pelos parlamentares indica a existência de “laranjas” negam que haja irregularidades com as mulheres que disputam a eleição. Em Santo Antônio do Itambé (MG), a coligação PSD/PT informou, em nota, que a candidata Adriana Ferreira de Aguiar (PT) está em campanha.
O partido enviou fotos de adesivos da candidata colados em dois carros, duas portas e um banner em um terreno baldio.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, ela disse, inicialmente, que foi chamada só para “preencher folha”. Depois que seu partido foi consultado, porém, Adriana mudou de versão, disse que está “fazendo política” e indo para “todo o canto” da cidade e enviou também uma foto de uma porta com dois adesivos seus.
O Solidariedade de Presidente Kubitschek (MG) afirmou que não tem candidatura laranja e que a candidata Oliene Aparecida da Silva saiu como vereadora porque quis.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, ela havia afirmado que aceitou o convite porque o prefeito Laurinho (PSB), que tenta a reeleição, prometeu a ela um cargo público no ano que vem. “Não sou uma pessoa estudada, mas sei o que é um laranja. Pelo menos vou ter um salário o ano que vem inteiro, porque a dificuldade da gente é demais”, afirmou. Ela disse estar desempregada e criar dois filhos.
Sobre a proposta de emprego, o partido afirmou que ela pode ter se equivocado. “Não teve proposta nenhuma do prefeito. Não tem promessa de serviço”, disse Wadson Almeida, presidente do partido no município.
Laurinho disse que não tem acordo com a candidata e que ano que vem haverá concurso público. Minutos depois, Oliene disse que o convite havia partido do vice-prefeito Magela (DEM). Ele também negou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.