Mesmo que o PIB cresça perto dos 3% estimados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o ritmo será inferior ao do resto do mundo, segundo projeções do FMI
O Brasil ocupa a 32.ª posição num ranking de crescimento econômico de 50 países nos últimos três anos. Entre 2019 e 2021, o Produto Interno Brasileiro (PIB) cresceu 0,59% ao ano, ante média mundial de 1,54%, de acordo com cálculos do economista Sergio Gobetti, feitos a pedido do Estadão, a partir de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Nesse período, que abarcou os anos da pandemia da covid-19, a economia dos EUA cresceu 1,45% ao ano; os países da Zona do Euro 1,25%; e a Ásia, 2,17%. A China, epicentro da pandemia, cresceu 5,4% ao ano no último triênio. As comparações contrariam argumentos da atual equipe econômica, que tem ressaltado dados favoráveis sobre a economia brasileira em ano eleitoral.
A situação é ainda pior quando se analisa a média em dez anos (2012-2021): avanço de 0,33% ao ano, quinto pior desempenho entre 50 países, à frente apenas de Grécia, Ucrânia, Argentina e Itália. “Costumávamos falar que os anos 1980 haviam sido a década perdida pelo fato de a economia brasileira ter crescido menos de 2% ao ano, mas agora descobrimos que a verdadeira década perdida é a que estamos vivendo”, diz Gobetti.
Mesmo que o PIB cresça perto dos 3% estimados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o ritmo será inferior ao do resto do mundo, segundo projeções do FMI, que estima expansão de 3,2% para a economia mundial em 2022. Oficialmente, o Ministério da Economia projeta alta de 2,7% neste ano.
A série histórica do FMI revela que, em comparação à economia global, a melhor fase para o País nas últimas duas décadas foi na segunda metade dos anos 2000, entre 2007 e 2010, quando o PIB brasileiro cresceu 4,6% ao ano, ante 1,87% no mundo. O resultado veio a despeito da crise de 2008, devido à combinação entre uma grande expansão do mercado consumidor doméstico e o “boom” das commodities.
Chance perdida
No período do governo Lula, segundo economistas, o País não soube aproveitar essa bonança para fazer reformas que garantissem o aumento da produtividade, essencial para o crescimento. Entre 2015 e 2018, o crescimento médio brasileiro foi de 0,96%, enquanto a economia mundial estava em expansão de 2,96% e a da América Latina, de 2,22%.
Hoje, a expansão do PIB se beneficia de uma alta capacidade ociosa na economia. De acordo com Bráulio Borges, economista da Fundação Getúlio Vargas e da LCA Consultores, há sete anos a economia brasileira vem operando abaixo do seu nível potencial. O PIB potencial é o nível de crescimento que pode ser obtido com a plena utilização dos recursos disponíveis, sem pressões inflacionárias.
Há mais de uma década, por exemplo, a economia crescia a 4% ao ano e o PIB potencial, a 3%, o que estava criando um estrangulamento da capacidade produtiva. Hoje o PIB potencial cresce pouco e o PIB efetivo menos ainda, mesmo tendo margem para crescer bem mais no curto prazo. “Com esse nível de ociosidade há tanto tempo, era de se esperar que a economia brasileira estivesse crescendo bem mais do que a de outros países”, avalia Gobetti.
‘Vitória de Pirro’
O avanço atual é visto com desconfiança. “É muito mais fácil crescer 3%, como parece estar acontecendo agora, quando se tem excesso de ociosidade”, diz ele. Para ele, essa é uma “vitória de Pirro”. Um período tão longo da economia operando abaixo do pleno emprego pode trazer impactos persistentes sobre o potencial de crescimento daqui em diante — fenômeno que os economistas têm chamado de “cicatrizes”.
Os indícios podem ser observados no mercado de trabalho. Entre eles está a fuga de “cérebros”, os brasileiros qualificados que buscam oportunidades no exterior. O desemprego de longa duração também reduz o potencial de crescimento. “Se uma pessoa fica dois, três anos fora do mercado, sem adquirir nenhuma habilidade a reinserção fica muito mais difícil”, ressalta Borges. Na prática, ou a pessoa vai para a informalidade ou passa a exigir do governo algum tipo de proteção.
Nessa situação, as empresas também começam a reduzir investimentos. Outra consequência é o rebaixamento de expectativas dos agentes econômicos. As pessoas começam a ficar mais avessas ao risco, sem querer empreender.
Estímulo eleitoreiro
Para Borges, a economia está surpreendendo em 2022. Mas essa melhora no curto prazo tem sido feita à base de medidas eleitoreiras, como a liberação de recursos do FGTS e os recursos da PEC Kamikaze, que despejou R$ 41 bilhões para o pagamento de benefícios sociais.
A incógnita é como vai se comportar o PIB em 2023. Enquanto a equipe econômica comemora dados no curto prazo e projeta alta de 2,5% para o ano que vem, o mercado estima avanço bem mais modesto, de 0,5%. Borges lembra que a produtividade vem caindo e que o investimento em infraestrutura nos últimos três anos está em torno de 1,7% do PIB% ao ano, enquanto deveria estar ao redor de 4%.
O economista da FGV alerta também para o impacto negativo das reformas que não foram feitas, como a tributária, além do que chama de contrarreformas, como a bomba fiscal que foi construída para 2023, que deverá exigir aumento da carga tributária no futuro. “Sem sustentabilidade fiscal, é difícil ter um trajetória de crescimento sustentável digna do nome.”