ANA POMPEU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), contestou as alegações de que o tribunal seria o responsável pela demora na liberação das emendas parlamentares.
“Há uma compreensão equivocada de que a lentidão teria sido definida somente pelo STF. Durante as exposições, foi ressaltado que houve diálogo entre os três Poderes. É uma questão ainda em desenvolvimento”, afirmou o ministro nesta sexta-feira (27) em audiência pública convocada por ele para discutir a execução das chamadas emendas impositivas ao Orçamento.
Dino negou que haja qualquer atraso na liberação dos recursos e ressaltou que a Lei Complementar 210, que normatiza o processo, foi resultado de uma decisão conjunta entre os Poderes, não apenas do STF.
Os presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), estavam previstos para participar da audiência e poderiam usar o espaço para questionar o tribunal, mas ambos desistiram de comparecer durante a sessão.
O Congresso, ao longo da última década, construiu um controle maior sobre o Orçamento federal, o que fortaleceu a influência de deputados e senadores.
O montante destinado às emendas parlamentares soma cerca de R$ 50 bilhões por ano, dos quais 77% são obrigatórios de serem executados pelo governo.
Dino frisou que, ao contrário do direito privado onde cada um pode gastar como quiser, o uso do dinheiro público deve obedecer a processos rigorosos estabelecidos pela Constituição, o que implica em burocracia inerente para garantir a correta aplicação dos recursos.
O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), representando o Fórum Nacional de Governadores, destacou que o assunto é relevante para todos os níveis da federação, pois os estados recebem emendas e os governadores precisam administrar essas verbas oriundas de decisões políticas.
Mauro Mendes afirmou que, atualmente, o mecanismo é usado mais como instrumento político e de interesses pessoais do que em benefício da coletividade, citando que no Mato Grosso já são R$ 600 milhões aplicados e surgem irregularidades como a criação de emendas de bancada.
A aprovação do orçamento impositivo em 2015 tornou obrigatória a execução das emendas individuais no Orçamento, e em 2019 essa obrigatoriedade foi estendida para as emendas de bancada estadual.
Na audiência, as críticas ao sistema foram severas, sendo qualificadas como “anomalias”, “inconstitucionais” e “instrumentos de interesses individuais”. Já os representantes do Legislativo defenderam a transparência e a importância das emendas para garantir representação das minorias e democratização do orçamento.
A advogada-geral do Senado, Gabrielle Tatith Pereira, afirmou que as emendas impositivas proporcionaram maior transparência e rastreabilidade à execução dos recursos públicos, beneficiando minorias parlamentares e promovendo equidade entre os entes federados.
Pela Câmara, o advogado Jules Michelet salientou que as emendas garantem uma democratização do orçamento, citando exemplos de recursos destinados a políticas públicas de direitos humanos para mulheres, população LGBTI+ e portadores de HIV/Aids, destacando que parlamentares de oposição também conseguiram indicar emendas para temas que não estavam na agenda do Executivo.
Enquanto em 2015 cada parlamentar tinha sob seu controle R$ 16 milhões e o governo podia optar por não liberar os recursos, em 2024 os valores indicados subiram para R$ 37,3 milhões por deputado e R$ 68,5 milhões por senador, com as bancadas estaduais recebendo R$ 528,9 milhões, com execução obrigatória pelo governo.
O economista Felipe Salto observou que o aumento total das emendas foi de 700%, e destacou problemas como falta de transparência, uso ineficiente dos recursos e dificuldade para a execução da política fiscal, apelando para que o Executivo reassuma o controle do orçamento.
Márcia Semer, representando a Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia, criticou a introdução das emendas impositivas como uma violação da competência do Executivo e do princípio da impessoalidade, alertando para riscos de personalização da administração pública e para o fracasso político decorrente.
A professora Élida Pinto, da FGV, relacionou o tema a escândalos anteriores no Congresso, ilustrando a persistência dos problemas no controle das transferências orçamentárias.
Já o advogado-geral da União, Jorge Messias, defendeu a necessidade de diálogo e respeito mútuo entre os Poderes para resolver o impasse, elogiando a lei complementar aprovada em 2024 como avanço importante.
Messias ressaltou que a nova legislação estabelece limites para o crescimento das emendas, vinculando-o às despesas discricionárias e à inflação, além de formalizar normas para a alocação dos recursos.
As emendas ao Orçamento são usadas por parlamentares para direcionar verbas a obras e investimentos nas suas regiões, mas frequentemente são associadas a troca de favores políticos e investigações por desvios e fraudes.