Estima-se que haja 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil, segundo dados do Censo Demográfico de 2022, divulgado em maio. Essa foi a primeira vez que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou esse tipo de levantamento. Contudo, ainda permanecem dúvidas importantes: quem são essas pessoas e qual é a verdadeira situação dos autistas no país?
O Mapa Autismo Brasil (MAB), uma plataforma online independente, tem como objetivo sanar essas e outras questões, ao coletar informações clínicas e sociodemográficas sobre os indivíduos com TEA. Ana Carolina Steinkopf, pesquisadora e idealizadora do MAB, destaca que, apesar da relevância do estudo, o Censo deixou lacunas significativas. “É fundamental conhecer a pessoa autista além do diagnóstico, entender os impactos sociais do autismo em sua vida e na comunidade”, explica.
Ela aponta que a ausência de dados compromete o acesso a direitos básicos como saúde, educação, transporte, trabalho e assistência social. “Com essas informações, conseguimos propor soluções eficazes para as pessoas autistas e suas comunidades. A falta desses dados prejudica o acesso a serviços essenciais”, ressalta.
Até a data limite de 20 de julho, o MAB já recebeu mais de 21 mil respostas de autistas e seus cuidadores de todo o Brasil. No entanto, as desigualdades regionais são evidentes na coleta, com apenas 9,3% das respostas vindas da região Norte e 18,5% do Nordeste.
Para Ana Carolina Steinkopf, esses vazios estatísticos não devem ser vistos apenas como falhas técnicas, mas sim como reflexo de desigualdades estruturais. “A falta de dados em periferias, zonas rurais e nas regiões Norte e Nordeste não significa ausência de pessoas autistas, mas revela exclusões históricas, invisibilidade territorial e barreiras ao acesso à informação, diagnóstico e internet”, argumenta.
Experiências individuais ilustram essas dificuldades. Fabiana Câmara, mãe de David Rafael, relata que em Manaus muitas famílias não têm acesso às terapias. Apesar do filho fazer cinco tipos de tratamento atualmente, ele passou sete anos sem acompanhamento adequado devido a limitações no plano de saúde e altos custos, que chegam a quase R$ 7 mil por mês. A desigualdade regional é tanta que ela planeja mudar-se para Curitiba, onde tratamentos públicos são mais acessíveis.
Em Fortaleza, a assistente social autista Maria Ercilia Mendonça Maia enfrenta longas filas para diagnóstico e terapias no SUS, o que prejudica autistas periféricos. Para garantir seu diagnóstico, ela teve que pagar por exames particulares e ainda aguarda por terapias públicas, que só deverão acontecer após uma espera de dois anos.
Gabriela Pereira dos Santos, diagnosticada recentemente, relata as dificuldades enfrentadas para obter um diagnóstico correto sendo mulher negra. Por muitos anos, recebeu diagnósticos errados e só conseguiu identificar o autismo após esforço próprio e ajuda financeira para atendimento particular. Ela defende a necessidade de maior sensibilidade dos profissionais e de políticas públicas inclusivas, sempre com a participação da comunidade autista.
Essas histórias evidenciam como a falta de dados e o acesso desigual comprometem a vida de milhares de brasileiros autistas, especialmente aqueles em regiões menos assistidas e em situação de vulnerabilidade social. É urgente ampliar a coleta de informações e as políticas públicas que garantam direitos e qualidade de vida para todos.