TAMARA NASSIF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O decreto que reforçou as normas para o ensino a distância (EAD) completou um mês nesta quinta-feira (19). Quando o anúncio foi feito, companhias de educação listadas na bolsa tiveram quedas significativas, com o mercado adotando uma postura cautelosa sobre o setor diante das novas determinações.
No entanto, após a reação inicial, o comportamento das ações divergiu. Enquanto algumas empresas continuam apresentando perdas, outras registraram valorização — indicando que os impactos do novo regulamento serão percebidos de formas distintas por cada organização.
Exemplos dessa variação entre empresas do Ibovespa são Cogna e Yduqs. Cogna, dona de marcas como Somos Educação e Kroton (universidade Anhanguera), acumulou uma queda superior a 7% desde o anúncio até segunda-feira (16). Por outro lado, a Yduqs, que inclui a Estácio de Sá, teve uma alta próxima de 10%.
Esse padrão se mantém entre outras companhias do setor fora do índice. Vitru apresenta queda de 13%, enquanto Cruzeiro do Sul e Ser Educacional cresceram 17% e 20%, respectivamente. A Ânima manteve seu valor estável.
Especialistas consultados destacam que essa variação reflete principalmente o nível de exposição de cada empresa aos cursos mais afetados pelas novas regras. Esse conceito refere-se à proporção de estudantes matriculados em graduações que foram vetadas para o formato EAD em relação ao total da base, bem como à importância desses cursos no portfólio da instituição.
Com as novas normas, graduações de medicina, direito, odontologia, enfermagem e psicologia não poderão mais ser ofertadas a distância. Cursos de licenciatura terão que adotar, no mínimo, o modelo semipresencial, que inclui metade da carga horária a distância, e a outra metade dividida entre atividades presenciais (30%) e online em tempo real (20%).
Além disso, os cursos EAD devem garantir 10% da carga horária em atividades presenciais, mais 10% entre atividades presenciais ou síncronas conduzidas em tempo real. Também será obrigatória a realização de provas presenciais, que poderão ocorrer nas sedes ou polos das instituições.
As empresas têm um prazo de dois anos para se adaptar às medidas. Os cursos proibidos entrarão em um processo de descontinuação gradual, sendo considerados extintos 90 dias após o decreto. Assim, a partir de 19 de agosto, não será permitido matricular novos alunos nestes cursos na modalidade EAD. Aqueles que ingressaram até essa data poderão sofrer ajustes curriculares até a conclusão.
João Daronco, analista da Suno Research, ressalta que “cada empresa possui um grau distinto de exposição aos cursos proibidos no formato a distância. Cursos como medicina e enfermagem exigem aulas práticas, laboratórios e estágios que demandam infraestrutura presencial, o que beneficia instituições já estruturadas neste modelo”.
Um exemplo claro é a Ser Educacional, que tem forte presença nas regiões Norte e Nordeste e lidera as altas do setor. A empresa conta com mais de 70 unidades presenciais distribuídas por todo o país e tem investido em vagas para medicina por meio de aquisições. Segundo dados da empresa, foram aplicados mais de R$ 900 milhões desde 2019 em operações de compra.
Relatórios do BTG Pactual indicam que 20% dos alunos da Ser Educacional estão matriculados em cursos que deixarão de ser oferecidos a distância, superando apenas a Yduqs (18%) e Ânima (13%). Vitru lidera com 40% de exposição, refletindo suas maiores quedas, seguida por Cogna (37%) e Cruzeiro do Sul (28%).
Raphael Elage, analista da XP, comenta que Cogna pode enfrentar maiores desafios devido ao perfil dos cursos que oferece. “Ela tem cursos de enfermagem na modalidade EAD, que passarão a ser exclusivamente presenciais”.
A análise da XP também destaca que 8% dos alunos EAD da Cogna estão em enfermagem, contra 1% em Yduqs. Apesar da recuperação das ações da Universidade Anhanguera neste ano, a empresa ainda sofre com os efeitos da pandemia e da crescente concorrência no EAD. A dívida elevada da Cogna, mesmo em melhora recente, é um fator preocupante, especialmente diante da alta da taxa Selic.
Por sua vez, as expectativas para a Yduqs são mais otimistas. João Daronco enfatiza que a empresa tem mantido margens estáveis e está financeiramente mais saudável, facilitando a adaptação às mudanças.
Independentemente da exposição e da preparação, as novas regras implicarão em custos para as empresas. Para se ajustarem, precisarão investir em infraestrutura, equipes e tecnologia. Estudos do Itaú BBA indicam que, caso as companhias assumam integralmente esses custos, haverá compressão nas margens de lucro, especialmente para Vitru, Ser Educacional, Cruzeiro do Sul, Cogna, Yduqs e Ânima, nessa ordem.
É possível que para mitigar os impactos as instituições adotem estratégias como reajustes nas mensalidades ou concentração das aulas presenciais em determinados polos. Os aumentos, porém, podem reduzir a entrada de novos alunos.
Apesar dos desafios, o novo marco regulatório é visto positivamente pelo setor e pelo mercado, pois traz maior segurança jurídica e estabilidade na oferta de cursos superiores.
Raphael Elage observa: “O decreto deve favorecer o setor a médio e longo prazo, promovendo um mercado mais saudável e a consolidação do segmento, já que empresas menos preparadas poderão sair do mercado ou buscar fusões”.
As próprias companhias reforçam essa visão. O CFO da Yduqs, Rossano Marques, afirma que o regulamento tem como objetivo principal elevar a qualidade do ensino EAD e que a empresa está bem posicionada para essa nova fase, mantendo resultados consistentes mesmo diante do cenário econômico atual.
Jânyo Diniz, CEO da Ser Educacional, acredita que a norma proporcionará uma oferta de cursos mais estruturada e confiável, beneficiando instituições regulares. Ele destaca os investimentos feitos em infraestrutura, tecnologia, polos e corpo docente qualificado.
A Ânima também demonstra confiança, ressaltando que suas instituições e cursos já aderem, em grande parte, aos padrões exigidos e que estão preparados para os ajustes necessários no período de transição.
Contato com Cogna, Vitru e Cruzeiro do Sul não resultou em respostas até a publicação deste artigo.