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terça-feira, 09/09/2025

Desconto de até 90% para regularizar terras no agro em São Paulo

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ADRIANA FERRAZ
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

O governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) planeja oferecer cerca de R$ 18,5 bilhões em descontos para agricultores que querem legalizar a posse de 600 mil hectares de terras públicas ocupadas irregularmente no Pontal do Paranapanema, na região oeste de São Paulo.

Esse valor foi calculado pelo UOL com base no Mapa de Terras 2023 do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), utilizado em todo o Brasil para ajudar a definir preços de áreas rurais. O espaço atingido pela ação equivale a 2,5% do território do estado – quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

De acordo com o governo, esses descontos ajudam a evitar custos maiores com indenizações por melhorias feitas nas terras ao longo dos anos.

“São áreas registradas em cartório há mais de 100 anos. Cancelar esses registros e indenizar as melhorias feitas resultaria em um custo maior para o Estado do que o modelo adotado, conforme a lei”, explicou a Secretaria de Agricultura e Abastecimento em comunicado.

Atualmente, as terras ocupadas irregularmente são usadas para criar gado, produzir etanol e plantar soja e cana-de-açúcar, e desde o começo da gestão Tarcísio passaram a ser vendidas por apenas 10% a 20% do valor real, independentemente da condição financeira dos ocupantes.

Um levantamento do UOL, baseado em 217 editais publicados no Diário Oficial nos últimos três anos, mostrou que descontos podem chegar a R$ 25 milhões para compradores, incluindo grandes empresas.

A produtora de biocombustíveis Atvos, anteriormente Odebrecht Agroindustrial, comprou 508 hectares em Teodoro Sampaio avaliados em R$ 8,6 milhões por apenas R$ 1,8 milhão.

Outra empresa, Agropecuária Vista Alegre, que produz 594 toneladas de ração por dia e abriga 33 mil cabeças de gado, pagou R$ 403 mil por 121 hectares em Presidente Bernardes, com um desconto de 78% sobre o valor de R$ 1,8 milhão. As duas empresas não comentaram sobre as negociações.

Os donos da Fazenda Itapiranga, em Marabá Paulista, foram beneficiados com 90% de desconto, pagando R$ 2,7 milhões por 2.000 hectares. Diferente das outras áreas, esta fazenda é usada como aeródromo.

Além disso, o agronegócio, que apoia politicamente o governador e que é uma potencial base para uma candidatura presidencial em 2026, também recebe isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em 17 cadeias produtivas, o que representa R$ 200 milhões em benefícios.

Parcelamento em até dez anos

Esses descontos foram estabelecidos por uma lei estadual de 2022, que criou um programa para regularizar terras devolutas ou presumidamente devolutas com registros irregulares.

Essas são terras públicas sem uso oficial que foram ocupadas por produtores rurais de diferentes tamanhos.

A lei, assinada pelo ex-governador Rodrigo Garcia em outubro de 2022, pouco antes das eleições, e prorrogada por Tarcísio até o final de 2026, oferece descontos de até 90% sobre o valor da terra nua, definido anualmente pelo Instituto de Economia Agrícola, e permite parcelar o pagamento em até dez anos.

Na prática, essa regra favorece principalmente quem já ocupa as terras.

Valor abaixo do mercado

Desde 2022, 179 processos de regularização foram concluídos, envolvendo 73 mil hectares, segundo a Fundação Itesp.

A previsão de arrecadação é de R$ 187 milhões, ou R$ 2.500 por hectare, valor muito inferior ao mínimo de mercado, que é de R$ 33,4 mil por hectare, quase 13 vezes maior, conforme dados do Incra.

Com esses descontos, o governo espera arrecadar R$ 1,5 bilhão; sem eles, a arrecadação poderia chegar a R$ 20 bilhões — valor superior aos R$ 14,8 bilhões obtidos com a privatização da Sabesp.

Outros 200 pedidos de regularização ainda estão sob análise.

Quando questionado sobre o motivo de usar os valores definidos pelo Instituto de Economia Agrícola em vez dos valores do Incra, que são referência nacional, o governo de Tarcísio afirmou que está cumprindo a Lei 17.557/2022, que cria o programa de regularização de terras devolutas.

“O artigo 3º da lei determina que o valor da terra nua deve ser calculado com base na média por hectare da região, conforme tabela oficial do Instituto de Economia Agrícola, vinculado à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios”, explicou o governo.

Apoio e críticas

O líder do PP na Assembleia Legislativa, deputado Delegado Olim, elogiou o programa dizendo que ele evita gastos desnecessários com processos judiciais longos.

“Além disso, acredito que o Estado não deve ser dono de terras. É melhor vender e usar o dinheiro para áreas prioritárias”, declarou.

O UOL tentou contato com associações importantes do agronegócio como a Sociedade Rural Brasileira e a Datagro, mas não obteve resposta.

Por outro lado, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, criticou a ação, dizendo que há uma grande demanda por assentamentos de reforma agrária no Pontal do Paranapanema e que a Constituição exige que essas terras devolutas sejam destinadas a essa função.

“É responsabilidade dos estados também, e não só da União. O governo de São Paulo deveria cumprir as exigências constitucionais”, enfatizou o ministro.

Na Assembleia Legislativa, a oposição chama o programa de “bolsa-grileiro” e critica mudanças recentes feitas pela base do governador que ampliam as possibilidades de regularização, incluindo divisão das áreas em lotes, o que pode permitir várias regularizações na mesma terra.

Também foram aprovadas regras que permitem regularizar terras em áreas de proteção ambiental e possibilitam que assentados da reforma agrária vendam seus títulos individualmente.

O Pontal do Paranapanema abriga 117 assentamentos vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com 7.000 famílias em 147 mil hectares. Esse movimento afirma que a nova lei legitima a grilagem e que as terras poderiam ser usadas para beneficiar 20 mil famílias em 300 novos assentamentos dedicados à agricultura familiar.

A lei é contestada no Supremo Tribunal Federal pelo PT desde 2022, mas o julgamento ainda não foi marcado.

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