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terça-feira, 30/12/2025

Desafios diários de quem tem nanismo

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FLÁVIA MANTOVANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Desde maçanetas difíceis de alcançar até olhares de zombaria na rua, passando por dores causadas pela falta de lugares para apoiar as pernas ao sentar e toques inconvenientes por estranhos, pessoas com nanismo enfrentam todos os dias uma série de dificuldades físicas e sociais que geram cansaço emocional.

“É como se corrêssemos antes mesmo de iniciar uma jornada”, explica Izabela Ganzer, psicóloga do Instituto Nacional de Nanismo (INN) e ela mesma pessoa com nanismo.

Segundo Ganzer, antes de sair de casa é preciso prever obstáculos, imaginar o ambiente e tentar resolver possíveis problemas antecipadamente. “Quando chegamos, já estamos emocionalmente cansados”, afirma.

Ganzer participou do painel “O desafio da inclusão”, durante o seminário Avanços no Tratamento do Nanismo, promovido pela Folha de S.Paulo com patrocínio do laboratório BioMarin.

Jairo Marques, repórter e cadeirante, mediou o evento e afirmou que o capacitismo contra pessoas com nanismo é um dos mais cruéis.

Os relatos mostraram os desafios de quem vive com nanismo. Entre os participantes estava Priscilla Dornellas, mãe de Mel, uma menina de oito anos com acondroplasia, a forma genética mais comum de nanismo desproporcional.

“Na escola, tudo era um obstáculo: vaso sanitário alto, portas pesadas, degraus, pias difíceis de usar e mochilas maiores do que ela. Enquanto outras crianças se movimentavam com facilidade, Mel precisava de esforço ou ajuda para tarefas simples.”

Além disso, o estranhamento das pessoas pesa bastante. Mel demorou para aceitar fazer aulas de balé, mesmo gostando de dançar.

“Ela é muito comunicativa, mas cansou de explicar o tempo todo por que é assim, por que não cresceu”, contou Dornellas.

Algumas atitudes chegam a ser invasivas e desrespeitosas. Dornellas já precisou pegar a filha no colo ao ver alguém filmando-a sem permissão. “Parece que o corpo delas não pertence a elas. Uma pessoa até se levantou de uma mesa para tocá-la. Isso é muito incômodo.” Juliana Yamin, presidente do INN e mãe de um filho com acondroplasia, citou estudos que mostram sintomas de estresse pós-traumático nessa população.

“Eles se preocupam com coisas que normalmente fazemos sem pensar, como pegar o ônibus, sentar numa cadeira, usar o banheiro, pedir comida ou serem notados em um balcão”, comentou.

Para Yamin, o Brasil deveria reconhecer o capacitismo como um crime coletivo, como o racismo, não apenas quando um caso individual é identificado, como prevê hoje a Lei Brasileira de Inclusão. “Muitas pessoas ainda vivem fazendo piadas ofensivas, o que não é aceitável.”

Ela ressaltou a importância de cuidar da saúde mental das famílias. Tanto ela quanto Dornellas falaram sobre o impacto de receber o diagnóstico dos filhos e a sensação de entrar em um mundo desconhecido.

Ambas pertencem ao grupo dos 80% de pais de crianças com nanismo que têm estatura média.

“É natural ter muitas expectativas, ansiedades e preocupações, e o médico tem um papel importante nesse momento”, disse o geneticista Juan Llerena Júnior, do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz.

Ele destacou que o lançamento do primeiro remédio para acondroplasia, a vosoritida, em 2021, trouxe mais atenção à condição. “Sem medicação, qualquer doença fica restrita a um pequeno grupo ou família.”

Llerena também elogiou o trabalho educacional de jovens com nanismo que viraram influenciadores digitais e o avanço das associações de pacientes.

“Estamos deixando de lado o assistencialismo e as organizações estão mais profissionalizadas. Sem a sociedade civil, nossas políticas públicas estariam atrasadas.”

Embora as experiências difíceis sejam muitas, todos os participantes mostraram esperança.

“Se mudarmos o foco do que falta para o que a pessoa com deficiência tem de valor, veremos que ela tem potência, voz e muito a contribuir”, afirmou Ganzer. Dornellas destacou o progresso da filha com o tratamento e o impacto das ações de conscientização feitas por Mel na escola.

Yamin acredita em um futuro com menos preconceito, apesar de reconhecer o longo caminho. “Minha geração era muito mais preconceituosa. Já avançamos bastante, mas ainda há muito a fazer.”

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