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segunda-feira, 22/12/2025

Deputados de São Paulo financiam contratos de karatê com suspeita de sobrepreço milionário

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Ana Luiza Albuquerque e Juliana Arreguy
São Paulo, SP (FolhaPress)

Desde 2023, uma entidade de karatê tem recebido mais de R$ 18 milhões em emendas de parlamentares estaduais de São Paulo para organizar competições e oferecer aulas de artes marciais.

Uma análise feita pela Folha nas contas enviadas pela Confederação Brasileira de Karatê Interestilos ao governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) mostrou indícios de que alguns fornecedores receberam cerca de R$ 1,7 milhão a mais do que deveriam.

Por exemplo, um kit lanche que custa R$ 5,13 em um atacado foi comprado por R$ 12,96; garrafas de água de 500 ml, que custam em média R$ 0,95, foram vendidas por R$ 2,59; e a locação de cadeiras plásticas que normalmente custa R$ 4,43 foi negociada por R$ 12,54.

Além da confederação, outros grupos de artes marciais receberam grandes somas de deputados estaduais nesta legislatura. Em 2025 foram destinados R$ 7,3 milhões para a Confederação Brasileira de Artes Marciais Chinesas, R$ 4,2 milhões para a Liga Valeparaibana de Artes Marciais e R$ 2 milhões para a Federação Paulista de Karatê.

Em um único fim de semana no ginásio Mauro Pinheiro, no parque do Ibirapuera, a CBKI gastou até R$ 1,5 milhão para promover uma competição. Cinco meses de aulas em três locais na periferia custaram até R$ 2 milhões em emendas. Enquanto isso, muitas cidades no estado não recebem nenhum recurso dos parlamentares há anos.

Os deputados do PL Rodrigo Moraes (R$ 5 milhões), Gil Diniz (R$ 3,65 milhões) e André Bueno (R$ 3,5 milhões) e a ex-deputada Adriana Borgo (R$ 5 milhões), do Agir, foram os que mais destinarem dinheiro para a CBKI desde 2023.

A reportagem solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação, planos de trabalho, prestações de contas e relatórios da confederação à secretaria estadual de Esportes. Foram analisadas dez emendas já liberadas.

O levantamento cruzou preços pagos pela confederação com valores de itens similares adquiridos por órgãos públicos no Brasil, usando o Portal Nacional de Contratações Públicas e consultas diretas a empresas e lojas online.

Em nota, a CBKI negou comprar itens acima dos preços de mercado e afirmou que todas as contratações foram precedidas de pesquisa com pelo menos três orçamentos. Também disse que as contas foram aprovadas pelo governo estadual.

O deputado Rodrigo Moraes declarou que as emendas acompanham planos rigorosos com objetivos, metas e cronogramas. O deputado André Bueno afirmou que a responsabilidade financeira é da entidade, que desconhece sobrepreço, e que apoia a apuração dos fatos.

Danilo Campetti (Republicanos) ressaltou que a responsabilidade pela execução dos recursos é da beneficiária e que acompanhará os órgãos de controle para apurar responsabilidades.

O secretário municipal de Turismo de São Paulo, Rui Alves (Republicanos), disse que o projeto e as prestações de contas passaram pela análise da Secretaria estadual de Esportes. Os deputados Gil Diniz (PL), Felipe Franco (União Brasil) e a ex-deputada Adriana Borgo (Agir) não responderam aos pedidos de manifestação.

A Secretaria de Esportes afirmou que os termos de fomento seguem a legislação e passam por análises técnica, administrativa e documental. Os valores dos planos são baseados em tabela de referência que considera condições específicas de cada contratação, como quantidade, logística, local e período.

Em caso de irregularidades, são tomadas medidas administrativas. Após o evento, a entidade deve enviar relatório de atividades e notas fiscais à secretaria.

Um dos relatórios foi aprovado pela executiva pública Sueli Maraschim, próxima ao diretor da confederação Osvaldo Messias de Oliveira e sua filha Mônica Fernandes Oliveira, envolvidos diretamente nas atividades. No Facebook, Sueli e Mônica aparecem em postagens que indicam proximidade.

Outro parecer foi feito pelo servidor Rodney Assis de Andrade, ex-presidente da Liga de Judô Paulista. A secretaria não esclareceu se esses servidores tiveram distanciamento suficiente para avaliar as contas da CBKI.

Mônica Fernandes costuma postar fotos com secretários do governo de Tarcísio de Freitas, integrantes da Secretaria de Esportes e vereadores, inclusive em eventos no Palácio dos Bandeirantes.

Sobrecusto

A Folha identificou que pelo menos cinco itens (kit lanche, água, cadeiras, toalhas de mesa e medalhas) foram adquiridos pela CBKI por valores superiores aos de mercado.

Exemplo disso é o kit lanche, composto por uma barrinha de cereal Nutry, um suco industrializado de 200 ml da Nutri e um biscoito Bauducco, que custou R$ 12,96, mas que em atacado não ultrapassa R$ 5,13.

O fornecedor foi Evandro Luiz Hengles, amigo de Mônica Fernandes no Facebook. A empresa da esposa de Evandro, Ana Hengles, também recebeu notas fiscais pelo fornecimento dos kits. Ambos receberam juntos R$ 3,1 milhões da CBKI desde 2023.

Em nota, Evandro disse que os preços refletem a qualidade, custos com mão de obra, embalagem, transporte e frequência das entregas.

Preços altos também aparecem na locação de cadeiras e toalhas de mesa. Cadeiras simples foram alugadas a R$ 12,54 enquanto a média de mercado é R$ 4,43. Toalhas de microfibra foram alugadas a R$ 87,35 enquanto a média consultada é R$ 49,70.

A empresa Equipafesta contestou os cálculos, argumentando que preços variam segundo tamanho, tecido, acabamento e período de uso, e que tabelas sazonais influenciam os valores.

Antes de 2024, cadeiras e toalhas eram alugadas pela empresa Novo Tempo pelos mesmos valores, que negou acordos com outras fornecedoras e sobrepreço nos serviços.

A reportagem só conseguiu analisar os itens com suspeita de preços altos, não confirmando se as quantidades adquiridas eram adequadas para os eventos, nem itens mais complexos como estruturas para competições.

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