Paira ainda a sensação entre delatores de que eles são os únicos punidos enquanto réus delatados ficam livres de punição. Esse movimento no Judiciário teve o ponto de partida em 2019, com a anulação da condenação do ex-presidente da petroleira Aldemir Bendine, e culminou na soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje pré- candidato ao Planalto, e na suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.
Na lista de insatisfeitos estão executivos da Odebrecht, o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, o ex-presidente da UTC Ricardo Pessoa e o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Nem todos chegam a falar em anular acordos, mas, à unanimidade, dizem que jamais teriam feito delação se soubessem que estariam cumprindo medidas restritivas, como uso de tornozeleira e recolhimento domiciliar, enquanto delatados estão livres. Eles reafirmam a interlocutores que disseram a verdade. Procuradas, as defesas não se manifestaram.
Recentemente, uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, com base em mensagens hackeadas de procuradores da Lava Jato, beneficiou o dono da Itaipava, Walter Faria, e deu mais esperança aos colaboradores. Gilmar anulou todas as investigações contra o empresário que era acusado de ajudar a Odebrecht a viabilizar valores em espécie com uso da cervejaria para pagar propina a políticos. A prática foi apelidada de “caixa 3”.
Na decisão, Gilmar mencionou as mensagens para concluir que houve “quebra de imparcialidade” e um “acordo espúrio” entre Moro e o Ministério Público Federal (MPF) nas investigações sobre Faria. O ministro nega que a decisão tenha o efeito de ser estendida a outros réus, mas a sentença animou defesas de delatores que têm conversado com clientes sobre a possibilidade de realizar ofensiva contra investigações e seus próprios acordos.
No caminho da anulação estão essas mensagens hackeadas. Após Lula ter acesso a elas em abril de 2021, réus da Lava Jato pediram o material. Entre eles estão o ex-governador do Rio Sergio Cabral e o doleiro Adir Assad, que confessou lavagem de mais de R$ 100 milhões em obras de estradas paulistas. Procurada a defesa de Assad não respondeu. A defesa de Léo Pinheiro negou arrependimento em relação ao acordo de delação.
INSATISFAÇÃO. Hoje, o doleiro Alberto Youssef, peça-chave para levar a Lava Jato ao alto escalão da política, é um dos mais insatisfeitos. Preso em março de 2014, ele ainda faz uso de tornozeleira eletrônica e fica em casa nos fins de semana. Tem se queixado de viajar por semana mil quilômetros para trabalhar em Santa Catarina. A defesa do doleiro não se manifestou.
Um dos mais arrependidos é o lobista Julio Camargo, que devolveu R$ 40 milhões aos cofres públicos. Sua delação foi um dos pilares da investigação que levou à condenação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha a 15 anos de prisão. A Receita usou a própria delação de Camargo para multá-lo por infrações no Imposto de Renda.
O Fisco cobra R$ 120 milhões, além da cifra já devolvida. Camargo, que não se manifestou, está com os bens bloqueados e busca anular o processo.
Assim como Camargo, há mais de uma dezena de casos de delatores autuados pelo Fisco com base em suas próprias colaborações premiadas, segundo apurou o Estadão. Os autos correm em sigilo.
INSEGURANÇA. O procurador da República Bruno Calabrich, que atuou em casos relacionados à Lava Jato, afirmou que o STF se defrontará com o problema e terá de decidir se o dinheiro das multas será devolvido. “Porque, a rigor, se não houver nenhum motivo para o dinheiro ser revertido à União ou à empresa lesada que foi a Petrobras, o dinheiro tem de ser devolvido. Simples”, disse.
Advogado e professor de processo penal da Universidade Federal Fluminense, João Pedro Pádua fez uma ressalva: “Quando o valor foi entregue não a título de multa, mas a título de devolução de valores ilícitos, não há devolução (ao delator), porque não se devolvem bens de origem ilícita”.