Na denúncia de 147 páginas que acusa o desembargador Ivo de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e advocacia administrativa, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não imputou ao magistrado a prática de ‘rachadinha’.
A ‘rachadinha’ foi uma das linhas principais da investigação após a Polícia Federal identificar depósitos em espécie e fracionados na conta do desembargador durante a Operação Churrascada. A análise do sigilo bancário revelou transferências que somaram R$ 641 mil entre fevereiro de 2016 e setembro de 2022.
Entretanto, a acusação formal da PGR não menciona ‘rachadinha’. Para o criminalista Átila Machado, representante do desembargador, esse ponto fragiliza a Operação Churrascada.
“No que tange à hipócrita hipótese de ‘rachadinha’ levantada pela Polícia Federal, o Ministério Público Federal eliminou completamente esta conduta, desconsiderando essa linha investigativa na denúncia”, declarou Átila Machado.
Segundo o criminalista, a decisão do MPF indica que os valores depositados por servidores na conta do desembargador tinham como objetivo arrecadar fundos para compra de cestas básicas durante a pandemia.
A investigação da PF suspeitava de um esquema envolvendo venda de sentenças e rachadinha, marcado por depósitos que coincidiam com datas de vencimento de cartões de crédito do magistrado, sugerindo uso para despesas pessoais e ocultação de origem dos fundos.
Parte dos depósitos foi realizada por Silvia Rodrigues, assistente jurídica, e Marcos Alberto Ferreira Ortiz, chefe de seção judiciária, conforme apontado pela apuração.
Após autorização do Superior Tribunal de Justiça para buscas no gabinete e residências do desembargador e servidores, a PF encontrou R$ 170 mil em espécie na casa do magistrado, que está afastado das funções com quase 40 anos de carreira.
Em depoimento, Marcos Ortiz esclareceu que os depósitos feitos para o desembargador diziam respeito à doação de cestas básicas durante a pandemia, desfazendo a suspeita de rachadinha.
De acordo com ele, os repasses na conta de Ivo de Almeida estavam vinculados a uma campanha do Tribunal de Justiça de São Paulo para ajudar funcionários terceirizados em situação vulnerável durante a Covid-19.
Ortiz explicou que o desembargador adquiria as cestas básicas e depois era reembolsado com o dinheiro arrecadado entre magistrados e servidores.
Beneficiários do auxílio foram trabalhadores terceirizados que enfrentavam dificuldades financeiras devido à suspensão de contratos, sobrevivendo apenas com o auxílio emergencial.
Campanhas desse tipo são comuns na Seção Criminal do TJ-SP, mas a realizada durante a pandemia se destacou pela alta participação e número de doações.
Ortiz foi responsável por criar uma conta poupança para receber as doações, além de divulgar a campanha e coletar os valores.
Todos os depósitos registrados nesta conta eram estritamente para doações, e os repasses ao desembargador representavam apenas o reembolso das compras feitas por ele, comprovadas por cupons fiscais.
O servidor ressaltou que não trabalhava diretamente no gabinete de Ivo de Almeida, mas na Seção Administrativa encarregada da Coordenação dos Prédios da Justiça Paulista.
O início da campanha foi em 4 de junho de 2020, a partir de um texto redigido pelo próprio desembargador. Mensalmente, cerca de 60 cestas eram distribuídas, aumentando para 70 cestas no fim da campanha, que terminou em março de 2021.
Ortiz informou ter feito 10 transferências para reembolsar o desembargador e mencionou também depósitos feitos por Ivo de Almeida para a conta poupança como doações.
Documentos apresentados à PF incluem registros das entregas, emails de divulgação, mensagens de agradecimento e cupons fiscais, reforçando a transparência da ação.
Ivo de Almeida afirmou nunca ter usado dinheiro público ou alheio para fins pessoais, destacando que sustenta sua família exclusivamente com seu salário.
Posicionamento do criminalista Átila Machado
“No que tange à hipócrita hipótese de rachadinha levantada pela Polícia Federal, o Ministério Público Federal eliminou completamente esta conduta, ignorando essa linha investigativa na denúncia.
Agindo dessa forma, o MPF reconheceu, ainda que tacitamente, que os valores depositados por servidores na conta do desembargador tiveram a finalidade legítima de arrecadação para a compra de cestas básicas durante a pandemia.”