A Defensoria Pública da Bahia está buscando reparação para centenas de pessoas com HIV cujas identidades foram expostas no último sábado (20) pela Prefeitura de Feira de Santana. Segundo o defensor público João Gabriel Soares de Melo, mesmo que a exposição não tenha causado outros danos, a divulgação dos nomes viola a Lei Nº 14.289 de janeiro de 2022, que protege o sigilo das pessoas com HIV.
A Defensoria também aponta que houve descumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e da Constituição Federal, configurando um dano moral que pode ser indenizado.
João Gabriel explica que podem ser movidas ações coletivas e individuais. Uma ação civil pública poderia pedir indenização pelos danos morais causados à sociedade. Caso a prefeitura seja condenada, os recursos iriam para um fundo público. Além disso, cada pessoa afetada pode procurar a Defensoria para ajuizar ação individual.
No sábado, o diário oficial do município publicou um aviso sobre a suspensão do passe livre para cerca de 600 pessoas com HIV, anemia falciforme ou fibromialgia, acompanhando o comunicado com uma lista contendo os nomes e condições de saúde dessas pessoas. A lista ficou disponível por algumas horas, até ser removida pela prefeitura.
A Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana justificou a publicação como uma falha no sistema e lamentou o ocorrido. Uma sindicância foi instaurada para investigar o caso em até 15 dias.
O Ministério Público da Bahia também abriu procedimento para apurar possíveis violações das normas relacionadas aos direitos das pessoas. O órgão solicitou esclarecimentos ao município sobre o incidente.
Reparação
João Gabriel já se reuniu com representantes da sociedade civil para discutir reparação e uma nova reunião será realizada com algumas das pessoas afetadas. O defensor também conversou com representantes da Prefeitura, que manifestaram disposição em resolver o caso fora da Justiça, por meio de um termo de ajustamento de conduta, que pode incluir a manutenção dos benefícios e indenizações.
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) manifestou profunda indignação pelo ocorrido, ressaltando que a divulgação de informações médicas sigilosas viola a Constituição, a LGPD, as normas do SUS e princípios éticos médicos.
A SBI enfatiza que o caso deve ser rigorosamente investigado e que os responsáveis precisam ser penalizados, pois a exposição das informações fere a dignidade, gera estigma e discriminação, além de consequências graves para as pessoas com HIV. A entidade reforça que a proteção da privacidade dessas pessoas é um direito inegociável.
Organizações e ativistas, como o Grupo Pela Vidda do Rio de Janeiro, também reagiram ao caso. Eles preparam uma carta de repúdio e pretendem acionar o Ministério Público Federal para investigação.
“É inadmissível que qualquer órgão público divulgue informações sobre sorologia. Mesmo após mais de 40 anos da epidemia de AIDS, ainda lutamos contra o estigma para garantir que as pessoas possam manter a privacidade e escolher quem deve saber sobre sua condição”, afirmou Márcio Villard, presidente da organização.
Estigma
Márcio Villard destaca que acontecimentos assim reforçam o estigma da doença. Hoje o HIV é tratável, mas o preconceito persiste e dificulta que as pessoas façam o teste e o tratamento precocemente.
O pesquisador e ativista João Geraldo Netto alerta que esses casos podem afastar pessoas com suspeita ou diagnóstico da doença dos serviços de saúde e das políticas que lhes beneficiam.
“Ainda enfrentamos preconceito e autopreconceito. Muitas pessoas evitam tomar remédios ou se cadastrar nos sistemas de saúde para não ter seus dados expostos”, comentou João Geraldo Netto.
Ele explica que os dados de saúde são sigilosos, mas o HIV carrega um forte preconceito, que pode causar discriminação, perda de emprego e dificuldades pessoais, especialmente em cidades pequenas onde as informações podem circular pela comunidade.
Nélio Georgini, Diretor de Defesa da Diversidade da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro, observou que a prefeitura violou o direito dessas pessoas à privacidade, afetando um grupo vulnerável e diversas interseccionalidades, como pessoas LGBT, aumentando o potencial de preconceito.