LUANA LISBOA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O impacto negativo das apostas e jogos de azar no Brasil gera um custo social anual estimado em R$ 38,8 bilhões, segundo um estudo inédito do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) divulgado nesta terça-feira (2).
Desse total, R$ 17 bilhões são relacionados a mortes por suicídio, R$ 10,4 bilhões à perda de qualidade de vida por depressão e R$ 3 bilhões aos tratamentos médicos para depressão. Somando apenas os custos ligados à saúde, o valor alcança R$ 30,6 bilhões (79% do total).
Esses valores incluem gastos diretos do governo e custos sociais indiretos, como a perda de anos de vida ajustados pela qualidade, que indicam quanto tempo de vida saudável é perdido devido a doenças ou condições.
Enquanto isso, o setor de apostas arrecadou R$ 6,8 bilhões entre fevereiro e setembro de 2025, um valor que, conforme os autores do estudo, indica que as apostas online podem custar para a sociedade mais do que geram em receita tributária, segundo dados da Receita Federal.
Atualmente, a legislação destina apenas cerca de 1% da arrecadação bruta das empresas de apostas para o Ministério da Saúde, visando prevenção, controle e mitigação dos danos sociais causados por essa atividade.
De acordo com a Lei 13.756/2018, a distribuição dos recursos é a seguinte: 36% para esportes, 28% para turismo, 13,6% para segurança pública, 10% para educação, 10% para seguridade social e somente 1% para saúde.
O estudo utilizou dados oficiais do governo, pesquisas e estimativas inéditas baseadas no 3º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, realizado pela Unifesp entre 2022 e 2023. Estima-se que o Brasil tenha cerca de 12,8 milhões de pessoas em risco relacionadas às apostas.
Os custos sociais e econômicos foram comparados com dados do Reino Unido, devido a semelhanças entre o SUS e o sistema britânico NHS. O parâmetro foi um estudo do Office for Health Improvement and Disparities, que publicou uma análise sobre danos causados por jogos de azar em 2023. O dossiê contou com apoio da Umane, organização voltada à saúde pública, e da Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental.
O valor estimado de R$ 38,8 bilhões é considerado conservador, pois abrange apenas danos comprovados por evidências fortes. Outros custos, como encarceramento, benefícios de desemprego e perda de moradia, também foram considerados, mas impactos em relacionamentos familiares não foram contabilizados.
Os pesquisadores destacam que ainda não há orçamento específico para ações de cuidado na Rede de Atenção Psicossocial (Raps), dificultando a comparação entre recursos arrecadados das apostas e custos suportados pelo SUS.
Rebeca Freitas, diretora de Relações Institucionais do Ieps e autora do estudo, ressalta que as apostas devem ser vistas como um problema de saúde pública e não apenas como uma questão comercial baseada em arrecadação.
“Hoje não temos estimativas exatas do quanto deveria ser arrecadado para custear os danos à saúde causados pelas apostas. Qualquer número seria uma subestimação desse impacto”, afirma.
Segundo a consultoria Regulus Partners, as empresas de apostas online têm previsão de faturar US$ 4,139 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões) no Brasil em 2025, tornando o país o quinto maior mercado mundial do setor. “É um mercado em crescimento que ainda não é regulado adequadamente”, comenta Freitas.
O Congresso Nacional está ativo na discussão sobre a regulamentação do setor, com destaque para a Frente Parlamentar Mista para a Promoção da Saúde Mental, que reúne mais de 200 parlamentares.
O dossiê mostra que, entre 2023 e 2025, 189 projetos de lei relacionados à regulamentação, restrição ou responsabilidade no setor de apostas e jogos de azar estão em tramitação, sendo quatro vezes mais que os 18 projetos registrados em 2023.
Destes, 44 estão no Senado Federal e 145 na Câmara dos Deputados.
Apesar da mobilização, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado encerrou seus trabalhos sem propor medidas ou indiciamentos, após rejeição do relatório final por quatro votos contra e três favoráveis. O relatório indicava indiciamentos de 16 pessoas e a proposta de 20 projetos de lei para combater os danos sociais das apostas online.
Os impactos das apostas não afetam só a saúde, mas também as relações pessoais, famílias e comunidades, além de aumentar desigualdades, segundo a revista Lancet Public Health.
Em artigo de 45 páginas publicado em 2024, a revista defende que “governos e legisladores devem tratar as apostas como uma questão de saúde pública, assim como já fazem com produtos que causam dependência e danos, como álcool e tabaco.”
Relatório do grupo interministerial de saúde mental para prevenção e redução de danos dos jogos, divulgado em 29 de setembro pelo governo federal, identificou que os jovens e pessoas de baixa renda são os mais afetados pelo crescimento do mercado de apostas no Brasil, sofrendo riscos como endividamento, depressão, ansiedade, conflitos familiares e ideação suicida.

