Mecanismo de “morte cruzada” permite que mandatário governe seis meses via decreto; mobilização popular pode agravar tensão social
Um dia após apresentar sua defesa em um segundo processo de impeachment, o presidente do Equador, Guillermo Lasso, dissolveu a Assembleia Nacional, mecanismo previsto na Constituição, conhecido como “morte cruzada”. A medida permitirá que o presidente governe seis meses por decreto até a convocação de um novo pleito.
Entenda o cenário político atual no país:
Direto ao ponto? Porque Lasso dissolveu a Assembleia?
O Congresso equatoriano autorizou a abertura de um processo de impeachment do presidente há uma semana. O presidente, no poder desde 2021, é acusado de ter cometido peculato na gestão da estatal de navegação Flota Petrolera Ecuatoriana (Flopec);
O julgamento político de Lasso, um ex-banqueiro de 67 anos, é apoiado por diversos partidos. Além disso, sua popularidade despencou, e chega a 80% de reprovação;
Esta é a segunda vez que a Assembleia Nacional, onde a oposição tem maioria, tenta destituir o impopular governante;
Acuado, o presidente decidiu a decretar a “morte cruzada”, mecanismo que nunca havia sido usado no país até então, mas que é previsto na Constituição;
Para adotar a medida, Lasso alegou que o país vive uma crise política e comoção interna.
Como funciona a ‘morte cruzada’?
A “morte cruzada” é um termo jurídico-político, adotado em 2008, que consiste na faculdade do poder Executivo de dissolver o Legislativo em três cenários: obstrução do Parlamento contra o governo “de forma injustificada e reiterada”; se o Legislativo assumir funções que não lhe correspondam; ou em uma crise política e comoção interna, motivo que levou Lasso a adotar a medida, segundo o decreto.
Com a medida em vigor, o presidente continuará governando através de decretos executivos de urgência econômica, que serão previamente examinados pelo Tribunal Constitucional.
Ao mesmo tempo que prevê a dissolução do Legislativo, o recurso obriga o Executivo a convocar eleições presidenciais e legislativas, que devem ocorrer no mesmo dia. O presidente em exercício pode participar do pleito, o que também pode ser visto como um plebiscito sobre seu governo — o mandato de Lasso terminaria apenas em 2025.
Acusações de peculato
O presidente é acusado de ter cometido peculato na gestão da estatal de navegação Flota Petrolera Ecuatoriana (Flopec). Segundo as denúncias, ele manteve em vigor um contrato assinado antes de sua posse para o transporte de petróleo bruto com o grupo internacional Amazonas Tanker, que deixou prejuízos de mais de US$ 6 milhões (R$ 29,6 milhões).
Lasso, que não foi condenado pelo crime, nega todas as acusações.
“Não há provas e nem testemunhos relevantes. A única coisa que há são informações que comprovam minha total, evidente e inquestionável inocência”, disse o presidente na terça-feira ao Parlamento, onde não tem apoio.
Oposição
Alguns partidos já falam em não reconhecer a ‘morte cruzada’ e enviar a decisão à Suprema Corte. No Twitter, o ex-presidente Rafael Correa, condenado a 8 anos de prisão no país e que vive na Bélgica, chamou a medida de ilegal:
“É óbvio que não há um estado de comoção interna, mas um julgamento político em aplicação da Constituição. De qualquer forma, é a grande oportunidade de enviar Lasso, seu governo e seus legisladores para casa”.
Apoio das Forças Armadas
As Forças Armadas têm, historicamente, um papel conciliador no país. Em um vídeo publicado após a medida, o chefe do Comando Conjunto das Forças Armadas (Comaco), Nelson Proaño, garantiu que, junto com a Polícia Nacional, permanecerão em sua “posição inalterável de absoluto respeito à Constituição e às leis”.
O cenário, contudo, pode mudar se houver forte comoção popular, especialmente protestos da poderosa Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), que já ajudou a derrubar três presidentes equatorianos.