Uma pesquisa realizada na Austrália com mais de 6,5 mil adolescentes revelou que meninas e jovens LGBTQIA+ sofrem níveis muito mais elevados de depressão, ansiedade e sofrimento psicológico. O estudo abrangeu adolescentes entre 12 e 16 anos e mostrou que esses problemas tendem a aumentar conforme os anos escolares avançam. Os resultados foram divulgados em junho no Australian and New Zealand Journal of Public Health.
Os dados foram coletados entre 2019 e 2022 com estudantes do 7º ao 10º ano do ensino fundamental e médio. Quase três a cada dez adolescentes apresentaram sinais indicativos de depressão até o 10º ano.
Comparando com os meninos cisgênero (que se identificam com o sexo de nascimento), a frequência desses transtornos foi maior entre meninas e jovens de identidades de gênero ou orientações sexuais diversas. O estudo destaca que a chamada “diferença de gênero” na saúde mental não só continua, como se amplia na adolescência.
Os participantes LGBTQIA+ tiveram os mais altos níveis de sofrimento mental desde o início do estudo, com piora mais acentuada ao longo do tempo. Em seguida, apareceram meninas que preferem não declarar seu gênero, depois as meninas cisgênero. Os meninos cisgênero tiveram os menores índices de dificuldades psicológicas.
Para o psiquiatra Elton Kanomata, do Einstein Hospital Israelita, esses dados confirmam o que outras pesquisas já indicavam. Segundo ele, os transtornos mentais podem surgir em qualquer fase da vida, mas a adolescência, dos 12 aos 17 anos, é a faixa etária com maior incidência.
“A adolescência é um momento crítico para o aparecimento de problemas mentais devido às mudanças físicas, hormonais e emocionais simultâneas. Além disso, são exigidas novas habilidades sociais e emocionais, muitas vezes sem suporte adequado”, explica Kanomata.
Entre os fatores que elevam o risco estão conflitos sociais, insegurança em relação ao corpo, uso excessivo de redes sociais, bullying, início precoce do uso de substâncias e o impacto da pandemia de Covid-19.
“Isolamento, afastamento dos amigos e a interrupção da escola afetaram diretamente a socialização e o desenvolvimento emocional dos adolescentes”, completa o psiquiatra.
Diferenças de gênero no sofrimento mental
Por que meninas e jovens LGBTQIA+ sofrem mais? A explicação envolve fatores hormonais, sociais e estruturais. “Estudos anteriores mostram que meninas têm de 1,5 a três vezes mais risco de desenvolver transtornos mentais que meninos a partir da adolescência”, afirma Kanomata.
Parte disso decorre das mudanças hormonais que alteram a regulação emocional, mas também da pressão social, padrões estéticos inalcançáveis e estigmas sobre o corpo e comportamento femininos.
O cenário para adolescentes LGBTQIA+ é ainda mais delicado. “Eles enfrentam níveis maiores de estresse, discriminação, bullying e isolamento social, muitas vezes sem redes de apoio eficazes, o que os torna especialmente vulneráveis a quadros de depressão, ansiedade e sofrimento emocional”, ressalta o especialista.
Reconhecer e buscar ajuda
Identificar as dificuldades e procurar ajuda qualificada são essenciais para lidar com períodos de alto estresse e sofrimento mental. Sinais incluem irritabilidade frequente, problemas de sono, lapsos de memória, alterações no apetite, baixa autoestima, desleixo com a higiene, e tristeza prolongada.
É fundamental consultar um psiquiatra ou psicólogo para diagnóstico e tratamento apropriados assim que notar que o bem-estar emocional diminuiu.
Impacto da condição socioeconômica
O estudo também evidenciou que a condição socioeconômica piora ainda mais os sintomas nas meninas. As adolescentes de famílias com menor renda apresentaram níveis mais elevados de sofrimento, revelando que a desigualdade de gênero se soma às dificuldades econômicas.
Kanomata destaca que a soma dessas desigualdades aumenta o risco, pois famílias com menos recursos enfrentam mais obstáculos para garantir cuidados de saúde mental, segurança e nutrição adequada, o que afeta diretamente o bem-estar emocional das jovens.
Seguindo essa linha, políticas públicas precisam atuar sobre os determinantes sociais da saúde mental, priorizando a adolescência para prevenção dos transtornos. É necessário investir em educação emocional nas escolas, ambientes acolhedores, combate ao bullying e acesso facilitado aos serviços de saúde mental.
Programas de apoio devem levar em consideração as diferenças de gênero e oferecer atenção especial a meninas e jovens LGBTQIA+, fornecendo espaços onde se sintam reconhecidos, respeitados e protegidos em sua identidade, conclui Kanomata.