NICOLA PAMPLONA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)
Um estudo feito pelo CPI/PUC-Rio aponta que a falta de fiscalização do crédito rural com juros subsidiados pode atrapalhar a meta do Brasil de acabar com o desmatamento até 2030.
De 2020 a 2024, 36% do dinheiro desse tipo de crédito, que equivale a R$ 205,6 bilhões, foi usado em áreas onde houve desmatamento depois de 2009.
A pesquisa cruzou dados do Banco Central, do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do monitoramento por satélite do Inpe, descobrindo que vários bancos públicos e privados liberaram recursos para propriedades com sinais de desmatamento.
O Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e a Caixa lideram em porcentagem de créditos entregues a áreas desmatadas — com 71%, 52% e 49% respectivamente. Entre os bancos privados, o Rabobank tem 63% e o Itaú 48%.
O estudo conclui que “o crédito rural continua favorecendo quem desmata”. Para enfrentar o problema, o Conselho Monetário Nacional lançou a Resolução nº 5.193, que obriga os bancos a conferirem se há desmatamento antes de liberar crédito rural, a partir de janeiro de 2026.
Esse controle será feito com dados do sistema do Inpe, que detecta por satélite a retirada da vegetação natural. Imóveis que tenham desmatamento depois de 31 de julho de 2019 só poderão receber crédito se tiverem autorização ou estiverem recuperando a área.
A regra também proíbe crédito para terras embargadas por infrações ambientais ou localizadas em unidades de conservação e terras indígenas sem regularização, para evitar que o dinheiro barato ajude a aumentar a perda de vegetação.
O BNDES foi pioneiro ao criar um sistema automático que verifica a situação ambiental das propriedades, cruzando dados do CAR com alertas de desmatamento por satélite, em parceria com o MapBiomas.
Até setembro de 2025, o banco afirma ter bloqueado R$ 1 bilhão em financiamentos para áreas com sinais de desmate. Esse sistema bloqueia automaticamente os créditos sem precisar de denúncias ou revisões manuais.
Com esse sistema, o BNDES analisou quase 450 mil casos e encontrou 4.996 alertas ativos, cerca de 1% dos pedidos. Em regiões com novas áreas agrícolas, como Maranhão, Tocantins e Piauí, os percentuais são maiores, chegando a quase 3%.
Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, afirmou que o banco é um dos maiores financiadores do setor agrícola no Brasil, que em geral atua com responsabilidade ambiental. Ele destacou que o controle é uma forma clara do compromisso do banco com uma produção que não destrua o meio ambiente.
Os bancos mencionados dizem que têm seus próprios sistemas de monitoramento e seguem a legislação, bloqueando créditos quando detectam irregularidades.
O Banco do Nordeste informou que suspende o financiamento até a regularização ambiental. A Caixa possui convênio com o MapBiomas. O Itaú disse que uma governança rigorosa impede a contratação ou pode antecipar o vencimento de créditos em caso de desmatamento ilegal.
Mudanças de uso da terra são responsáveis por quase metade das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, o dobro do setor de energia. Na COP30, o governo quer focar na criação de um fundo para proteger as florestas.
Juliano Assunção, diretor-executivo do CPI/PUC-Rio, comenta que o setor agrícola tem avançado mais pela produtividade do que pela expansão da área, mas que o desmatamento ainda é uma questão importante.
Os avanços recentes, como a resolução do Banco Central e o sistema automático do BNDES, são importantes, mas ainda insuficientes. Sem fiscalização efetiva e transparência, o crédito rural continuará sendo um ponto vulnerável na luta contra o desmatamento.
Segundo o CPI/PUC-Rio, para alcançar o fim do desmatamento será fundamental vincular o crédito à regularidade ambiental e práticas sustentáveis. Caso contrário, o Brasil continuará combatendo a perda de floresta com recursos que, na verdade, ajudam a financiá-la.
