Até a última quinta-feira, 57% dos mortos abaixo dessa idade tinham excesso de peso
A obesidade é o principal fator de risco para pessoas com menos de 60 anos infectadas com o coronavírus, apontam dados do Ministério da Saúde. Até a última quinta-feira, 57% dos mortos abaixo dessa idade tinham excesso de peso. O índice preocupa médicos e especialistas, já que mais da metade da população está acima do peso. Hoje, a obesidade atinge um a cada cinco brasileiros.
Mortes de jovens obesos pela Covid-19 chamam atenção em estados como São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo e Rio Grande do Norte. A reportagem identificou pelo menos dez casos de pessoas com menos de 35 anos que morreram vítimas da doença – o Ministério da Saúde não faz um recorte específico para esta faixa etária. Só em São Paulo, foram três: dois homens de 31 e 34 anos, respectivamente, e uma mulher de 19 anos.
O primeiro caso de vítima jovem com obesidade no país foi o do confeiteiro Matheus Acioli, de 23, morto no último dia 31. No Rio Grande do Norte, houve ainda uma morte de outra vítima de 30 anos. Também no Nordeste, o baiano Edson Rabelo dos Santos, de 26 anos, que pesava cerca de 130 quilos, também com diagnóstico de Covid-19, faleceu no dia 7 no hospital Couto Maia, em Salvador. No Espírito Santo e em Pernambuco, as vítimas mais jovens com obesidade tinham 29 anos.
– Não existe obeso saudável, independentemente da idade. Nos mais jovens ela aparece sozinha como comorbidade porque não deu tempo de surgirem os problemas associados, como diabetes e cardiopatias – diz o endocrinologista Fadlo Fraige Filho, professor da Faculdade de Medicina da Fundação ABC.
O endocrinologista explica que o tecido adiposo fragiliza o sistema imunológico. Quanto mais obeso, mais vulnerável o paciente é à ação de vírus e bactérias.
Segundo o presidente do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Mário Carra, a obesidade é uma doença crônica que causa inflamação, o que acaba por dificultar a resposta imunológica (as defesas do organismo) dos pacientes acima do peso ao vírus.
– A doença é mais grave e a mortalidade é maior nos mais jovens que têm excesso de peso. A gente tem observado que essas pessoas têm uma chance maior de falecer do que uma pessoa que não tem sobrepeso. A doença acaba se tornando mais grave em razão da inflamação causada pela obesidade – afirma Carra.
Cuidados redobrados
O médico ainda acrescenta que os jovens que têm excesso de peso devem redobrar a atenção com o controle da alimentação em meio à pandemia e não devem parar os medicamentos que tratam a obesidade, já que ajudam a melhorar o estado inflamatório.
A relação entre obesidade e a Covid-19 também tem gerado preocupação em outros países. O sistema nacional de saúde britânico, o NHS, mapeou um grupo de 196 pacientes internados entre 16 e 19 de março. Destes, 71% que foram encaminhados a UTIs são obesos. A associação entre obesidade e quadros mais graves de pacientes também foi feita em 2009, quando houve a pandemia do H1N1. Na ocasião, um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontava que o execsso de peso aumentava os fatores de risco da doença.
Médicos apontam que o excesso de peso sobrecarrega o organismo como um todo, força o coração, os pulmões, fígado, rins e pâncreas, além das articulações. O esforço afeta a capacidade pulmonar, já que é preciso levar oxigênio para uma área muito maior do que a capacidade do pulmão.
A médica infectologista, Rosana Richtmann, explica que, como o excesso de peso, mesmo em pessoas mais jovens, restringe a capacidade respiratória dos pacientes, no caso da Covid- 19 o estado de saúde tende a se agravar, já que os pacientes evoluem com pneumonia e sobrecarregam os pulmões já mais fracos para quem tem a doença.
Peso dificulta tratamento
Carlos Carvalho, diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, explica que a capacidade pulmonar é maior em quem pratica exercícios físicos, que torna o pulmão mais treinado. Em geral, obesos, ainda que sejam jovens, tendem a ser sedentários. O especialista alerta ainda que, além das alterações metabólicas do organismo, o peso adicional restringe manobras respiratórias, às vezes necessárias durante o uso do ventilador mecânico.
– Se na minha técnica eu deveria colocar o paciente de barriga para baixo, se ele tem 1m70 e 70 quilos é uma certa facilidade. Se ele tiver 130 quilos há dificuldade. Em muitos casos, a barriga comprime o diafragma – explica.
No domingo passado, Franca, no interior de São Paulo, registrou sua primeira morte por coronavírus. Wesley Leite Soares de Oliveira, um fisioterapeuta de 34 anos, morreu no Hospital do Coração do município. Funcionário da Prefeitura de São Tomás de Aquino, cidade mineira próxima a São Paulo, ele começou a se sentir mal-estar e teve diarréia.
Com febre alta, chegou a fazer o teste rápido para coronavírus, mas deu negativo – posteriormente um teste positivo confirmou o diagnóstico. Chegou a ser medicado com Tamiflu e acabou indo para Franca, onde moram seus pais, no último dia 9, uma quinta-feira. Fez novos testes para coronavírus, mas, como continuava a passar mal e a febre alta não cedia, foi levado a um Pronto Socorro no sábado. Morreu no dia seguinte.
Homero Rosa Junior, coordenador da Vigilância Epidemiológica de Franca, afirma que a obesidade aumentou o fator de risco de Oliveira, já que ele tinha hipertensão e pré-diabetes controladas por medicamentos.