IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
A proposta do governo para flexibilizar o uso do dinheiro da poupança e criar um novo modelo de crédito para imóveis causa preocupação no setor da construção civil. Eles temem que isso desorganize como os imóveis são produzidos e vendidos, e também prejudiquem a estabilidade dos bancos, podendo trazer riscos ao sistema financeiro.
Especialistas dizem que o modelo em estudo pelo governo Lula não garante que os juros para quem vai comprar casa fiquem iguais ou menores do que os atuais. Se os custos para financiar uma casa aumentarem, menos pessoas comprarão imóveis, o que prejudicaria as empresas que os constroem, dificultando que elas paguem os empréstimos usados para construir.
Atualmente, parte do dinheiro depositado na poupança deve ser usada pelos bancos para financiamento imobiliário, e uma parcela fica obrigatoriamente depositada no Banco Central. No novo modelo, este direcionamento não existiria mais, permitindo que os bancos usem os recursos da poupança para outras operações que podem render mais dinheiro, desde que liberem empréstimos para habitação no mesmo valor. O financiamento da casa própria seria então feito com dinheiro de mercado, que tende a ser mais caro.
Para equilibrar esse custo maior, espera-se que os lucros que os bancos conseguirem com o uso flexível da poupança sirvam para manter os juros do crédito imobiliário mais baixos, segundo técnicos do governo.
No setor da construção, enquanto alguns preferem não comentar, outros recomendam cautela e sugerem mudanças pontuais nas regras atuais.
“Não precisamos ter pressa. Podemos testar as mudanças com calma, pois o sistema atual funciona bem e ainda servirá por muito tempo. Temos tempo para planejar novidades sem pressa”, afirma Ely Wertheim, presidente do Secovi-SP.
Wertheim acredita que a poupança ainda terá relevância pelos próximos 20 a 25 anos e que não há urgência para um novo sistema agora.
O governo quer anunciar as mudanças rapidamente, com detalhes sendo finalizados por vários órgãos e possibilidade de lançar as regras até o fim de agosto. As medidas não precisam passar pelo Congresso e podem ser definidas por resolução do Conselho Monetário Nacional, formado por ministros e o presidente do Banco Central.
A regra de usar o dinheiro da poupança livremente deve valer por um tempo limitado, talvez cinco anos, para estimular a concessão de novos empréstimos habitacionais. Porém, construtores consideram essa limitação um problema, pois a equalização dos juros acabaria antes do término dos contratos de financiamento.
Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, considera a proposta perigosa, principalmente por conta das incertezas econômicas atuais e dos altos juros. Ele destaca que mudanças como essa deveriam acontecer em períodos econômicos estáveis, começando com testes para avaliar se funcionam antes de ampliar.
A reportagem buscou posicionamentos da Cbic e Abecip, que preferiram aguardar o anúncio oficial. Já a Febraban apoia a busca por novas formas de financiamento, mas também defende análise cuidadosa antes de implementar mudanças.
O setor acredita que a melhoria no crédito virá com a queda da taxa básica de juros, e não pela mudança na fonte dos recursos. Propõe ajustes específicos para melhorar as condições atuais.
Wertheim sugere que o Banco Central libere parte dos recursos obrigatórios para instituições que já investem acima do exigido em habitação, o que ajudaria a Caixa Econômica Federal e poderia injetar até R$ 45 bilhões no sistema. Ainda assim, ele enfatiza que isso não mudaria os custos do financiamento, que dependem da taxa de juros.
França propõe liberar imediatamente 5% dos recursos da poupança bloqueados e usar mais 5% para testar o novo modelo, liberando o restante gradualmente em cinco anos.
A proposta prevê que, se houver muitos saques da poupança, o Banco Central forneça uma linha de crédito para os bancos honrarem esses saques, usando títulos públicos como garantia.
Embora o Banco Central resista a liberar o uso dos recursos bloqueados, o setor da construção acredita que o novo modelo, no fim, faz exatamente isso ao eliminar essa exigência. França questiona a contradição do BC em afirmar que não quer liberar o bloqueio mas acaba autorizando a operação em dez anos.