João Gabriel
Brasília, DF (Folhapress)
Enquanto a atenção da política estava no julgamento que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela trama golpista e na discussão sobre o projeto de anistia, o Congresso Nacional aprovou nas últimas semanas oito propostas que mudam as leis ambientais.
Essas propostas autorizam atividades como garimpo em terras indígenas, transferem o poder de demarcação dessas terras para parlamentares, perdoam desmatamento e enfraquecem regras do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente).
Seis dessas propostas passaram na Comissão de Agricultura da Câmara em 3 de setembro, mesmo dia em que foi julgado o núcleo da trama golpista. A Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou no fim de agosto um projeto que libera a mineração garimpeira em terras indígenas, desde que os povos indígenas concordem, e que não seja em territórios isolados ou de contato recente, nem envolva mineração industrial.
O projeto permite garimpo por pessoas não indígenas e exige que entre 2% a 4% do lucro seja repassado às comunidades.
Outra proposta muda como é feita a demarcação das terras indígenas. Hoje, a Funai faz estudos que o Ministério dos Povos Indígenas aprova, o Ministério da Justiça publica a portaria e o presidente homologa a demarcação. A nova regra prevê que o presidente tem 30 dias para criar uma medida provisória que cria a terra indígena, que o Congresso deve aprovar em até 120 dias, transferindo assim o poder decisório do Executivo para o Legislativo.
O projeto ainda inclui o marco temporal, que só permite demarcação se os indígenas ocupavam ou disputavam a terra em 1988, data da Constituição. Também prevê indenização para donos de terras dentro da área demarcada, bloqueia demarcação em caso de invasões e impede a ampliação de terras indígenas existentes.
Uma proposta aprovada perdoa o desmatamento feito antes de 2008, dispensando a obrigação de regeneração das áreas e regularizando a supressão de vegetação em áreas de recuperação florestal.
Outras propostas rejeitaram a criação de uma moratória de cinco anos para o desmatamento na Amazônia Legal, regularizam imóveis em faixa de fronteira mesmo se houver pedido de demarcação, transferem parte da Floresta Nacional de Roraima para o estado, facilitam regularização fundiária em terras da União e derrubam regras do Ibama que exigem regularização para autorizar certas atividades rurais.
No plenário da Câmara, foi aprovada uma regra para uso e conservação do Pantanal, mas sem incluir a Bacia do Alto Paraguai, importante para irrigação, o que preocupa ambientalistas pela vulnerabilidade à exploração e agravamento da crise hídrica.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) declarou neutralidade em relação à anistia ao desmatamento, reconhecendo que pode causar interpretações contrárias aos compromissos ambientais do Brasil na COP30, além de destacar problemas na regularização fundiária e defender as novas regras de demarcação como promotoras de segurança jurídica e respeito cultural, mas rejeita a proposta de garimpo.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), relatora da matéria, afirmou que o projeto não legaliza o garimpo, mas garante o direito dos indígenas de lucrar com minérios e desenvolver atividades econômicas nas terras deles.
A especialista Clarissa Presotti, do WWF-Brasil, vê um cenário negativo no Congresso, próximo à COP30, impulsionado por interesses do agronegócio e mineração, com projetos que enfraquecem demarcação, flexibilizam regras ambientais, ameaçam o Pantanal e permitem mineração em áreas protegidas, comprometendo a agenda socioambiental.
O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP), ressaltou a preocupação com o avanço dessas propostas no Congresso, citando a frase do ex-ministro Ricardo Salles sobre ‘passar a boiada’ enquanto o país se distrai com outros assuntos.