CONSTANÇA REZENDE E CÉZAR FEITOZA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Uma disputa entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os prazos para julgar processos tem colocado em risco indenizações bilionárias que deveriam ser pagas aos cofres públicos.
O problema começou porque o TCU levou muitos anos para analisar casos de empresas e gestores acusados de desviar recursos públicos. O STF entendeu que essa demora vai contra a Constituição e decidiu limitar o tempo que o TCU pode levar para julgar esses processos.
Os casos mais conhecidos estão ligados à Operação Lava Jato. Essa divergência já fez o STF anular duas decisões do TCU que somavam mais de R$ 1,2 bilhão em multas.
Além disso, o STF está se preparando para julgar outras duas ações relacionadas a contratos da Petrobras, que podem cancelar uma multa de R$ 1,4 bilhão. Há ainda outro processo pendente no TCU que pode envolver valor bilionário.
Desde 2016, o STF tem avisado o TCU que os processos para cobrar ressarcimento por uso incorreto do dinheiro público podem prescrever, ou seja, têm um prazo máximo de cinco anos para serem finalizados.
Empresas condenadas pelo TCU começaram a recorrer ao STF, alegando que seus processos ultrapassaram esse prazo. Em 2020, ministros do STF passaram a tomar decisões contrárias às do Tribunal de Contas.
Este ano, o número de processos no STF contra o TCU aumentou muito. O Supremo já tomou mais de 800 decisões individuais sobre o tema, e 158 delas foram analisadas por grupos de ministros para confirmação.
Ministros do TCU dizem que o problema começou quando o STF mudou sua interpretação, aplicando o prazo de cinco anos de forma retroativa aos processos antigos.
Por outro lado, integrantes do STF afirmam que o novo entendimento é justo e garante que os processos tenham um tempo limitado, evitando que fiquem abertos para sempre.
Antes de 2016, o STF considerava que esses processos eram imprescritíveis, baseando-se no artigo 37 da Constituição, o que permitia que contratos fossem analisados mesmo depois de muitos anos.
Essa visão foi mudada pelo ministro Teori Zavascki, que decidiu que os processos não podem durar eternamente. Depois, o prazo de cinco anos foi definido e confirmado em 2022 para o TCU.
Para se adequar, o TCU criou uma norma com o prazo de cinco anos, mas estabeleceu várias exceções que permitiam interromper a contagem do tempo.
Em um processo, o prazo chegou a ser interrompido 11 vezes por diferentes motivos. O ministro do STF Gilmar Mendes considerou isso uma forma de driblar os prazos e buscou uma solução com o Supremo para o caso.
Gilmar Mendes escreveu que não se pode aceitar que os processos se arrastem indefinidamente, causando insegurança para cidadãos e empresas.
A mudança nas regras do STF e as longas análises do TCU têm levado à anulação de muitas condenações contra irregularidades em contas públicas, inclusive em processos ligados à Lava Jato.
Entre os processos preocupantes para o TCU está um aberto em 2014 sobre a venda de metade dos ativos da Petrobras na África para o banco BTG Pactual, que custou US$ 1,5 bilhão.
Esse caso ainda não foi julgado, e as partes já alegaram prescrição, mas o TCU negou, citando várias interrupções do prazo desde 2014.
Outro processo em risco envolve uma multa de R$ 1,4 bilhão contra o empresário Sérgio Cunha Mendes, acusado de fraude em obras da refinaria Presidente Getúlio Vargas da Petrobras.
A defesa de Mendes afirma que o relatório usado pelo TCU não prova sua participação nas alegações.
Também foram identificadas duas liminares do STF que suspendem ações do TCU, com multas que podem ultrapassar R$ 1,2 bilhão.
Uma dessas casos envolve Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BNDES, acusado de irregularidades em participação acionária na Bertin S/A. Ele nega as irregularidades e afirma que sua condenação é ilegal e que o processo já está prescrito.
Outro caso semelhante é o da empresa Skanska Brasil LTDA, que foi investigada pelo TCU por irregularidades em um contrato para obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. A empresa também alegou que o processo estava prescrito.
Em nota, o TCU informou que os ministros Vital do Rêgo (presidente), Antonio Anastasia e Bruno Dantas planejam pedir reuniões com ministros do STF para tentar resolver o conflito, embora ainda não haja data marcada.
O tribunal também está fazendo um estudo para identificar processos que, segundo o prazo do STF, já estariam prescritos, conforme sugerido por Bruno Dantas.
Para a especialista em direito público Maria Rost, as decisões recentes do STF representam uma mudança importante. Ela destaca que o TCU precisará agir com mais rapidez, e que gestores públicos devem analisar suas responsabilidades em relação aos prazos de prescrição.
“Não é só um ajuste técnico, mas um impacto grande no sistema de responsabilidade no setor público. A segurança jurídica é essencial, e é importante ter clareza sobre quando o prazo começa e quando realmente para de contar”, afirmou a advogada.
