27.5 C
Brasília
quinta-feira, 07/08/2025

Como são feitos os diagnósticos de ansiedade e depressão?

Brasília
nuvens dispersas
27.5 ° C
28.7 °
27.5 °
33 %
1kmh
40 %
qui
28 °
sex
30 °
sáb
29 °
dom
29 °
seg
29 °

Em Brasília

Rodrigo Leão F. Nascimento, pós-doutor em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), escreveu este artigo para a plataforma The Conversation Brasil.

Imagine uma jovem brasileira que vai estudar na Espanha e começa a enfrentar dificuldades para dormir, crises de choro e uma sensação constante de ansiedade. Preocupada, ela busca ajuda psicológica e responde a questionários que avaliam sintomas de ansiedade e depressão.

Mas as perguntas, que foram criadas em outra cultura, conseguem realmente captar o que ela sente? Essa questão é essencial para entendermos como funcionam avaliações internacionais que comparam o nível de ansiedade entre diferentes países.

Essas reflexões são importantes, principalmente diante do aumento mundial dos transtornos mentais, agravados pela pandemia de Covid-19. O Relatório Mundial de Saúde Mental aponta que mulheres e jovens adultos são os grupos mais afetados. Por isso, é fundamental que os métodos de avaliação sejam precisos e comparáveis.

Origem dos questionários

A definição dos transtornos de ansiedade e depressão evoluiu muito ao longo do tempo, com referência principal no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM) da Associação Americana de Psiquiatria (APA). Esse manual divide os transtornos em vários tipos.

Transtornos depressivos se caracterizam por humor triste, vazio ou irritável e sintomas físicos e cognitivos, com o Transtorno Depressivo Maior destacado por durar pelo menos duas semanas e causar impacto nas atividades diárias.

Os transtornos de ansiedade envolvem medo exagerado, preocupação constante e sintomas físicos como palpitações e sudorese.

Baseando-se nesses critérios, o psiquiatra Aaron Beck criou dois questionários amplamente usados: o Inventário de Depressão de Beck (BDI-II) e o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), com 21 perguntas cada, disponíveis em várias línguas. Apesar de sua utilidade, é importante saber se eles são verdadeiramente comparáveis entre diferentes culturas.

Adaptação e avaliação dos questionários

Para utilizar um instrumento psicológico em outro país, não basta traduzir as perguntas. É necessário garantir que o questionário medirá os sintomas da mesma forma em culturas distintas.

Manifestações como tristeza profunda, irritabilidade e alterações no sono podem ser interpretadas de maneira diferente dependendo do contexto cultural, e algumas perguntas podem ter diferentes pesos. A adaptação do instrumento envolve processos rigorosos e avaliações contínuas.

Em minha pesquisa de doutorado na PUC-Rio, concluída em 2025 e com apoio da FAPERJ, junto a colaboradores de Portugal e Espanha, avaliamos como esses questionários funcionam com universitários do Brasil, Portugal e Espanha.

Analisamos a estrutura interna dos instrumentos, que no caso da depressão (BDI-II) mostrou dois fatores: sintomas cognitivos (pessimismo, falta de concentração) e sintomas físicos e emocionais (fadiga, alterações no sono e no apetite).

Já o BAI (ansiedade) é conhecido por distinguir ansiedade de sintomas depressivos, mas seus fatores ainda são objeto de estudo. Enquanto muitos defendem dois grupos principais — sintomas físicos e emocionais —, outros apontam para diferentes estruturas, e palavras específicas podem ser interpretadas de modo distinto, principalmente em espanhol.

Além da estrutura, avaliamos a invariância de medição, teste que verifica se as perguntas têm o mesmo significado estatístico entre países. Isso é fundamental para comparações internacionais confiáveis.

Descobertas

Nosso estudo mostrou que o questionário de depressão (BDI-II) foi equivalente nas três populações, apesar de variações em itens como interesse sexual, sentimento de culpa e pensamentos sobre morte, sem afetar o resultado geral.

A estrutura dos dois fatores foi consistente, indicando que o BDI-II pode ser usado com segurança para comparar níveis de depressão entre brasileiros, portugueses e espanhóis.

Porém, o aparelho que mede ansiedade (BAI) não apresentou equivalência. Perguntas ligadas a medo de morrer ou dificuldade de relaxar mostraram diferenças marcantes entre países, indicando que a ansiedade pode ser vivida ou percebida de formas culturais distintas.

O ajuste estatístico do modelo de ansiedade não foi satisfatório, sinalizando que o BAI pode não medir o mesmo fenômeno em todos os grupos, e que comparações internacionais devem ser feitas com cuidado.

Implicações e caminhos futuros

Esses resultados têm impacto na clínica, na pesquisa e nas políticas de saúde mental. No exemplo da jovem brasileira na Espanha, considerar o contexto cultural é vital para um diagnóstico correto.

Dado o aumento global das migrações e a maior vulnerabilidade desses grupos a transtornos mentais, é essencial que os instrumentos sejam culturalmente apropriados para evitar subestimação ou superestimação dos sintomas em migrantes.

A falta de estudos sobre invariância pode levar a conclusões incorretas, especialmente em transtornos influenciados por fatores genéticos, sociais, econômicos e culturais.

Investigar a equivalência dos instrumentos ajuda a entender melhor as manifestações culturais dos transtornos mentais no mundo e a elaborar políticas públicas mais eficazes.

Ferramentas de avaliação rigorosas contribuem diretamente para melhores políticas de prevenção e monitoramento da saúde mental, promovendo qualidade de vida a todas as populações, independentemente de suas fronteiras.

Veja Também