BRUNO XAVIER
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Depois da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros envolvidos nos ataques do dia 8 de Janeiro e na trama golpista, o Congresso aprovou, na última quarta-feira (17), a tramitação rápida do projeto de anistia para crimes cometidos entre as eleições de 2022 e os ataques em Brasília.
O deputado relator Paulinho da Força (Solidariedade-SP) quer que a discussão mude para uma diminuição das penas.
Anistias já aconteceram outras vezes na história do Brasil. A mais recente foi em 2010, aprovada pelo presidente Lula (PT), beneficiando policiais e bombeiros que fizeram movimentos por melhores salários.
A mais conhecida é a de 1979, quando a ditadura militar perdoou crimes políticos praticados tanto pelo regime quanto pela oposição armada, abrindo caminho para a redemocratização, mas sem punição pelos abusos cometidos na época.
Anistia significa o perdão legal de um crime, parecido com a graça e o indulto, que são concedidos pelo presidente da República, explica a advogada e vice-presidente do IASP, Marina Coelho Pinhão.
O professor Diego Nunes, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), destaca que a anistia é diferente da graça e do indulto porque não é pessoal e vem do Congresso Nacional.
“O indulto é concedido pelo Executivo a presos que atendam a certos critérios definidos pelo presidente. A graça é para uma pessoa em particular, como quando Bolsonaro concedeu a Daniel Silveira. Já a anistia é geral, ou seja, vale para um grupo amplo, sem pessoas específicas.”
O que é anistia e quem pode propor?
A anistia é criada como um projeto de lei comum, podendo ser proposta por qualquer deputado, senador, governo federal ou até pela população via projeto popular.
Porém, só o Congresso pode concedê-la, pois ela regula a Constituição, algo que é competência do Legislativo, afirma Marina.
Antes, governadores podiam dar anistias, mas isso foi proibido pela Constituição de 1988. Hoje, toda anistia aprovada tem efeito federal.
Como é o processo de aprovação?
Quando o projeto é apresentado, o presidente da Câmara ou Senado decide quando será colocado em votação.
O presidente também escolhe um relator e encaminha o projeto para comissões, mas em casos urgentes, como este, o projeto pode ir direto para votação no plenário.
Depois da aprovação na Câmara, o texto vai para o Senado e, se aprovado, para sanção pelo presidente.
O Senado pode seguir seu próprio ritmo e enviar o projeto para comissões normalmente.
O presidente pode vetar?
Sim. Como a anistia é um projeto comum, o presidente pode vetá-la, embora haja controvérsias sobre isso, o que pode levar a disputas no Judiciário.
Diego diz que o veto seria controverso, pois o presidente pode conceder graça ou indulto, mas a anistia é atribuição do Legislativo.
Marina acredita que o presidente pode vetar a anistia como qualquer outra lei, e o Congresso pode derrubar esse veto.
Depois de aprovada, como é aplicada?
Diego explica que a anistia começa a valer assim que é oficializada. Pessoas beneficiadas podem pedir habeas corpus, soltura e encerramento de processos.
Aqueles com medidas restritivas, como tornozeleiras eletrônicas, também podem pedir o fim das medidas e não serão punidos se descumpri-las.
O tempo para a aplicação completa pode variar, porque depende das pessoas buscarem ajuda judicial.
Punições como demissões ou suspensão de direitos também podem ser revistas caso a caso.
A anistia pode ser revogada?
É um tema complicado, afirma Diego. Em tese, a anistia pode ser cancelada, mas por ter efeito imediato, seria difícil para a Justiça reabrir processos e prender pessoas já libertadas.
Além disso, a lei brasileira não permite prejudicar quem já foi beneficiado, o que gera dúvidas sobre retroceder a situação.
Se o Supremo Tribunal Federal for chamado a opinar, pode anular a anistia se encontrar problemas no texto.
Diego ressalta que revogar prisões seria logisticamente difícil por ser necessário agir mais rápido que a libertação das pessoas.
Os crimes do 8/1 e da trama golpista podem ser anistiados?
A Constituição exclui do perdão crimes como tráfico de drogas, terrorismo e crimes graves, incluindo organização criminosa, crime pelo qual Bolsonaro foi condenado.
Entretanto, não há regra clara sobre crimes contra a democracia, como os relacionados aos ataques do 8/1.
Em 2023, o STF declarou inconstitucional a graça dada por Bolsonaro a Daniel Silveira, argumentando que não se deve perdoar crimes contra a democracia.
Marina discorda dessa decisão, mas reconhece que ela pode influenciar um julgamento sobre anistia.
Sobre incluir crimes contra a democracia na lista dos que não podem ser anistiados, Marina ressalta que a Constituição não mudou, só foi interpretada para não liberar indulto para esses crimes.
Diego destaca que a Constituição declara esses crimes como imprescritíveis e inafiançáveis, o que cria um conflito se forem anistiados.
Ele pergunta: “Um crime que não prescreve é um crime sempre perseguido, mas pode ser perdoado a qualquer momento?”