Os Estados Unidos mantiveram por anos um consumo de eletricidade quase estável, até que a inteligência artificial provocou uma mudança significativa nesse cenário. Segundo estimativas do Departamento de Energia, os data centers, que já consumiam cerca de 4,4% da eletricidade do país em 2023, podem alcançar entre 6,7% e 12% até 2028, o que representa um consumo de 325 a 580 TWh. Esse crescimento acelerado traz desafios, pois não é simples expandir a infraestrutura elétrica rapidamente.
Na maior rede do país, operada pelo PJM e que abrange desde o Meio-Atlântico até o Meio-Oeste, as projeções indicam um aumento médio de 3,8% ao ano na demanda durante o pico do inverno na próxima década, puxado principalmente pelas novas grandes cargas de data centers. Em resposta, o PJM iniciou um processo para estabelecer regras específicas para a conexão dessas megacargas, buscando adaptar a burocracia à rapidez do setor digital.
Economicamente, houve uma mudança no modelo adotado pelas grandes empresas de tecnologia. Anteriormente, elas compravam principalmente certificados de energia renovável (RECs) e contratos financeiros de energia que não garantiam entrega física. Agora, a ênfase está em contratos longos de fornecimento físico de energia, garantindo produção renovável constante. A Microsoft e a Meta firmaram contratos de 20 anos com a Constellation para viabilizar a continuidade de usinas nucleares em Three Mile Island e Clinton, respectivamente. Esses acordos vão além do marketing sustentável, sendo essenciais para manter operações ininterruptas.
Contudo, nem tudo ocorre de maneira simples. O caso do data center da Amazon ligado à usina nuclear de Susquehanna, na Pensilvânia, enfrenta entraves regulatórios, com rejeições pela FERC de propostas para ampliação do fornecimento direto, devido a questões de custos e impacto na rede. Estar próximo de uma usina reduz dificuldades, mas não elimina as regras sobre custos e responsabilidades.
Quanto ao custo das expansões elétricas, alguns estados já estão estabelecendo tarifas específicas para essas grandes cargas. Na Virgínia, a Dominion criou uma tarifa especial para grandes data centers e obteve autorização para construir uma linha exclusiva para um hyperscale em Alexandria, algo que causou protestos locais, demonstrando que a infraestrutura da “nuvem” afeta a comunidade cotidiana.
Outro desafio enfrentado pelos planejadores é distinguir entre demanda real e fictícia. Muitos projetos de IA solicitam conexões simultâneas, inflando artificialmente as projeções e levando a redes superdimensionadas e subutilizadas, o que aumenta custos para todos. A Georgia Power, no Sul, revisou seu plano para manter o uso do carvão, investir em baterias, gás e energia solar, sempre monitorando os efeitos dos data centers.
Quanto à energia nuclear, a nova geração de pequenos reatores (SMRs) ainda enfrenta limitações, principalmente na disponibilidade do combustível HALEU, atualmente fornecido pela Rússia. Embora a empresa americana Centrus tenha alcançado uma marca histórica na produção desse combustível, a demanda futura projetada pelo DOE é muito maior, o que significa que as usinas nucleares atuais precisarão estender sua vida útil e capacidade para atender à demanda crescente até que novas tecnologias estejam em escala.
Para enfrentar esses desafios, algumas medidas são essenciais: acelerar os processos regulatórios para acompanhar o ritmo acelerado dos investimentos em data centers; priorizar contratos que garantam produção adicional de energia renovável com impacto sistêmico real; definir claramente quem arca com os custos de expansão da rede; e melhorar a eficiência e flexibilidade no uso da energia, aproveitando janelas de baixa demanda para treinamento de modelos de IA.
No curto prazo, o cenário será uma mistura de fontes: gás para atender picos, nucleares antigos firmes por contratos com Big Techs, crescimento de solar e baterias e muitas obras de transmissão. A rede elétrica americana, tradicionalmente financiada publicamente, está passando por um experimento de responsabilização privada que pode ser positivo se bem regulado. O risco é a superdimensionamento e o repasse excessivo de custos ao consumidor, o que já preocupa entidades como o DOE e a NERC, responsáveis pela segurança e confiabilidade do sistema.
Em resumo, a expansão dos data centers impulsionada pela inteligência artificial está transformando a política energética dos Estados Unidos, exigindo novas abordagens regulatórias, contratuais e técnicas para garantir uma transição energética eficiente e justa.