Diante das derrotas impostas aos candidatos apoiados pelo presidente, aliados têm opiniões diferentes
Nos últimos oito meses, a aposentada Nuvenice dos Santos tomou todos os cuidados e fez quarentena para evitar o coronavírus que, aos 87 anos, seria de alto risco. Quando a prefeitura flexibilizou as medidas de restrição, ela respirou aliviada por acreditar que o pior já tinha passado. Há mais de uma semana, ela está sem olfato e teve distúrbios digestivos. Um exame a fez encarar o que mais temia: um resultado positivo para Covid-19. O caso de Nuvenice não é isolado. Depois de a cidade ultrapassar o pico da pandemia em maio, inclusive com o desmonte dos hospitais de campanha, os cariocas voltam a sentir medo.
A taxa de ocupação de leitos em UTI por pacientes de Covid-19 nas unidades da rede municipal do Rio bateu recorde esta semana, acima inclusive do índice alcançado quando as estatísticas estavam lá no alto. Dos 251 leitos disponíveis, 244 estavam ocupados no domingo, o equivalente a 97% do total. Como há oscilações, o número no fim da tarde desta segunda-feira caiu para 230 internados, o que reduziu a taxa para 91%. As unidades das redes federal e estadual do SUS na capital tinham 79% dos leitos de UTI ocupados, o que também não é pouco.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO consideram o indicador preocupante. Sem os hospitais de campanha e com a flexibilização do isolamento social, em que várias atividades foram retomadas, o cenário pode ser do que chamam de “tempestade perfeita”, em que as condições se combinam para favorecer a proliferação do vírus. Ao mesmo tempo, eles observam que o quadro pode ter sido agravado pelo mau comportamento dos eleitores que, no fim de semana, foram às urnas, sem seguir as regras sanitárias, inclusive sem máscaras de proteção que são obrigatórias. Também criticam o fato de que não havia aferição da temperatura do público nas zonas eleitorais.
— Neste fim de semana, realmente tivemos um aumento nas internações. Já há hospitais particulares com quase todos os leitos para Covid ocupados e a rede pública está chegando ao limite da sua capacidade. Ainda é contornável, mas está mais difícil do que estava — diz o diretor da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (Aherj), Graccho Alvim.
Rede privada em alerta
O aumento de internações também foi detectado na rede privada. No sábado,o Hospital Unimed-Rio, que fica na Barra da Tijuca, bairro com mais casos confirmados de coronavírus durante a pandemia (5.043), divulgou nota afirmando que há um viés de alta nas internações por Covid-19. Segundo o hospital, que em todo o mês de outubro contabilizou 60 internações por coronavírus, houve nos primeiros 13 dias deste mês o ingresso de 46 pacientes na unidade. “Atentos a essa situação, seguimos trabalhando no redimensionamento da nossa capacidade de internação, mas fazemos um alerta à população para que mantenha as medidas de prevenção, como usar máscara em todos os ambientes, evitar aglomerações e higienizar constantemente as mãos”, diz a nota da empresa.
Chefe do Serviço de Clínica Médica do Hospital dos Servidores do Estado e membro do comitê científico da prefeitura, Sylvio Provenzano diz que ainda não há motivo para um
lockdown, mas faz um apelo para que a população obedeça às regras de ouro.
— Confesso que estou apreensivo, como médico. As regras não estão sendo respeitadas. No domingo, vi imagens na TV que mostravam diversas pessoas indo votar sem máscaras. Na zona eleitoral em que votei, tinha álcool em gel, mas ninguém mediu minha temperatura — ressalta.
Segundo a prefeitura do Rio, a taxa de ocupação de leitos de UTI para Covid-19 das unidades do município do Rio não pode ser analisada isoladamente. Oficialmente, a Secretaria municipal de Saúde divulga a taxa de ocupação de leitos da rede SUS na capital, o que inclui também unidades estaduais e federais. Nesta segunda-feira à tarde, essa taxa estava em 79% de ocupação. O número, no entanto, também é considerado alto por especialistas, já que organismos de saúde indicam que 85% é o limite aceitável.
Com o anúncio feito pelo prefeito Marcelo Crivella, no início do mês, de que o Hospital de Campanha do Riocentro seria desmontado em breve, entre novembro e dezembro, o sinal de alerta acendeu para os especialistas.
— Nos hospitais da rede privada, os leitos estão com alta ocupação, mas existe a capacidade de aumentar a oferta e transformar outros em vagas para Covid. Mas, e na rede pública? — indaga Graccho Alvim.
Família contaminada
A aposentada Nuvenice sentiu na pele a dificuldade da prefeitura em lidar com a escassez de vagas. Após os primeiros sintomas da doença, no início da semana passada, ela primeiramente procurou a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Engenho de Dentro, onde ficou internada. Sem recursos para tratá-la adequadamente, os médicos recomendaram sua transferência que, no entanto, só aconteceu no sábado, por ordem judicial.
Neto de Nuvenice, o técnico de informática Eduardo Simões conta que viveu momentos de aflição até que a Defensoria Pública conseguisse uma vaga para avó na UTI do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari.
— A UPA fez o início do tratamento, mas ela precisava fazer tomografia e outros exames — conta Eduardo que também teve sintomas, assim como dois tios, todos moradores do mesmo terreno, em Cordovil, na Zona Norte.