Juros dos empréstimos habitacionais estão no menor patamar da história, mas a alta da taxa básica e a piora da pandemia trazem um ambiente de incerteza para quem deseja comprar um imóvel
O Banco Central interrompeu um ciclo de seis anos de juros em queda e decidiu aumentar a Selic de 2% para 2,75% ao ano. Como a taxa básica é referência para o custo do crédito no Brasil, espera-se que os juros de empréstimos e financiamentos também fiquem mais caros.
Uma dessas modalidades é o crédito habitacional. Quem está buscando um imóvel pronto ou quem comprou na planta e ainda vai financiar está de olho no comportamento das taxas, em busca da melhor oportunidade. Daí surge a dúvida: a alta da Selic vai dificultar a compra da casa própria?
Especialistas disseram que ainda vai levar um tempo para que a alta da taxa básica de juros chegue aos financiamentos imobiliários, mas que inevitavelmente esse custo vai aparecer ao longo do ano. A expectativa do mercado é que os juros básicos se aproximem dos 5% até o final de 2021, o que poderia levar o custo do crédito habitacional para os 8% ou 8,5% ao ano.
“Vamos ver algum tipo de reajuste, mas não muito rápido, porque o mercado está aquecido e há uma boa concorrência entre os bancos. Hoje também temos mais modalidades de indexação das taxas do que tínhamos há dois anos”, diz Cristiane Portella, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Ela cita o lançamento de novas linhas de empréstimo, como os com taxas prefixadas, indexados ao IPCA e à poupança. Embora a modalidade tradicional (que possui uma taxa fixa somada à Taxa Referencial, a TR) ainda represente a maior parte dos financiamentos, as novas alternativas trouxeram mais diversidade para os clientes.
O saldo da caderneta de poupança, aliás, é a principal fonte de recursos para o financiamento imobiliário. No ano passado, a poupança teve captação recorde, o que ajudou os bancos a originar mais crédito.
“Os bancos estão captando recursos da poupança, que representa 50% de todo volume de crédito imobiliário, com um custo inferior a 2%. Mesmo que a Selic suba mais, ainda teremos um custo de captação baixo”, explica Sergio Cano, professor da Fundação Getulio Vargas e especialista em mercado imobiliário.
A diferença entre o custo de captação e os juros cobrados nos financiamentos imobiliários é chamado de spread. Dois anos atrás, esse spread estava na casa dos 2% — ou seja, 50% menor do que hoje.
Pode ser que os bancos queimem parte dessa “gordura” segurando os juros no piso, mas é possível que eles preservem o spread mais alto para se resguardar da possível piora da economia. Nesse caso, os juros poderiam voltar a subir progressivamente.
Comprar agora ou depois?
Considerando que a tendência é de alta dos juros daqui para a frente, uma janela de oportunidade parece ter sido aberta. Quem busca um imóvel pronto e já tem uma boa reserva para dar de entrada deve cogitar a opção de concretizar o negócio, ainda mais porque os preços dos imóveis ainda são considerados defasados.
“Se puder financiar agora, faça, até porque teremos uma pressão inflacionária à frente. A alta dos índices de preços já está, inclusive, pressionando o aluguel”, lembra Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa.
Rafael diz que, nos últimos meses, muitas pessoas ficaram esperando os juros caírem um pouco mais, mas que o ciclo de cortes das taxas promovido pelos bancos parece ter chegado ao fim. Ele pondera que o recrudescimento da pandemia do coronavírus traz uma dose grande de incerteza para as famílias e para as próprias instituições financeiras, em razão do possível aumento do desemprego.
Vale a pena comprar na planta?
A situação de quem comprou ou pensa em comprar um imóvel na planta é um pouco diferente. A depender do prazo de entrega das chaves, os custos do financiamento imobiliário já podem estar em outro patamar. Por isso, é importante considerar um juro mais alto na hora de calcular a parcela e o montante a ser financiado.
Outro ponto importante é o avanço do Índice Nacional da Construção Civil (INCC). O indicador é usado para corrigir o saldo devedor de quem comprou um imóvel na planta, e tem subido em torno de 1% ao mês desde outubro do ano passado. Esse reajuste pode ser uma dor de cabeça para quem financiou uma parcela grande do valor do imóvel na planta.
“O problema é a incidência do INCC sobre o saldo devedor, que é maior. Por isso, quem puder antecipar as parcelas de obra ou até dar uma entrada maior, para amortizar a dívida, melhor’, aconselha Cano, da FGV.
Poupança, IPCA, prefixado ou taxa + TR?
Com diferentes modalidades de financiamento disponíveis, a dúvida, agora, é qual é mais vantajosa no cenário de possível alta dos juros. Para responder essa pergunta, o professor da FGV recomenda que o comprador avalie o volume de recursos que tem na mão e o prazo do financiamento.
“Cada família tem que fazer as contas, é uma decisão pessoal. Mas é importante considerar alguns pontos. Primeiro, a perspectiva é que o IPCA suba nos próximos meses, e ninguém consegue prever para onde vai a inflação”, alerta Cano.
Sasso, da Melhortaxa, diz que a linha de crédito que considera o rendimento da poupança para calcular os juros, oferecida atualmente pelo Itaú e pela Caixa, é um pouco mais previsível, mas que também sofre influência direta da Selic. Lembrando: o rendimento da poupança corresponde a 70% da taxa básica de juros.
“A modalidade mais conhecida, que é a que tem uma taxa fixa somada à TR, parece ser o lugar mais seguro. A linha atrelada à poupança é o meio do caminho, e os financiamentos atrelados ao IPCA são os mais incertos”, classifica o cofundador da Melhortaxa.
Ele lembra que não é possível mudar o indexador ou fazer portabilidade de uma modalidade para a outra, e por isso o comprador deve ficar ciente dos riscos de longo prazo da linha de crédito escolhida.