O caso do desaparecimento de duas jovens da Clínica Recanto, em Brazlândia, Distrito Federal, que depois foram encontradas, trouxe à tona denúncias de maus-tratos e práticas abusivas na instituição. A clínica, também conhecida como Instituto de Psiquiatria e Orientação Psicossocial, opera com dois CNPJs diferentes, porém no mesmo endereço e com a mesma função: tratamento para dependentes químicos e pessoas com transtornos psicológicos.
O custo mensal da internação ultrapassa os R$ 19 mil, incluindo alimentação, consultas com psiquiatras, psicólogos e outros profissionais, além de medicamentos específicos. O local é coberto por cerca de 40 convênios, a maioria vinculada a planos de saúde de tribunais e forças militares.
Apesar do site oficial destacar um tratamento individualizado, ambiente agradável, equipe especializada, alimentação balanceada e reinserção social, relatos de pacientes e familiares apresentam uma realidade muito distinta.
Práticas abusivas e uso de medicação
Matheus, ex-paciente e analista de sistemas, explicou que a clínica usa medicações para “reorganizar os pensamentos”, com prescrição uniforme para todos, consistindo numa mistura de Hadol e Fernergan, que pode causar reações graves, até convulsões. Se um paciente recusa o medicamento, é contido pela força, com múltiplos funcionários segurando e amarrando a pessoa.
Outra prática, chamada pela clínica de “acolhimento”, funciona como punição, onde o paciente é isolado numa sala pequena e monitorada constantemente, sem autonomia até para se alimentar, vivendo em ociosidade e praticamente esquecido pela equipe psicológica.
No ano anterior, pacientes revoltados com essa prática chegaram a provocar um curto-circuito e um incêndio na sala de punição.
Conflitos e agressões internas
Os motivos para o isolamento são geralmente desentendimentos com outros pacientes ou funcionários. Além do tratamento hostil, há relatos de abusos verbais e ameaças por parte da equipe. Matheus menciona xingamentos e um alto nível de estresse que prejudica a recuperação dos internos.
Fabiana, familiar de um ex-paciente, contou que um funcionário ameaçou agredir seu filho, dizendo que não tinha medo de ninguém e que poderia agir com violência se fosse necessário.
Consultas ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal revelam processos contra a clínica, inclusive uma indenização por danos morais de R$ 5 mil a um ex-paciente agredido por um funcionário, que relatou ter sido amarrado e espancado, além de apresentar lesões físicas. O paciente lembra pouco do ocorrido, possivelmente devido à alta dosagem de medicamentos.
Negligência na segurança e falta de comunicação
Além do ambiente abusivo, a clínica enfrenta críticas por falhas na segurança: ausência de vigilantes, plantonistas e câmeras em funcionamento. Familiares reclamam da dificuldade em obter informações sobre o tratamento dos pacientes e do tempo limitado para contato.
Há denúncias sobre o tráfico de drogas dentro da clínica, supostamente não controlado pela equipe, que teria respondido a questionamentos afirmando que se drogas entram até no presídio, por que não na clínica.
Lídia, responsável por um paciente, afirmou que a promessa de vigilância 24 horas é falsa e que não há nenhum sistema efetivo de segurança, nem mesmo alarmes.
A Clínica Recanto não respondeu às tentativas de contato para esclarecimentos sobre as acusações, e o centro continua em funcionamento.