Ciência acelera processos para frear disseminação do vírus e descobrir onde está localizado, há quanto tempo e com que velocidade se movimenta
Da sofisticada pesquisa genética ao desenvolvimento de novos produtos de limpeza, a inovação teve grandes avanços desde a descoberta do novo coronavírus. A urgência para encontrar instrumentos de combate à Covid-19 acelerou muitos processos, como o de sequenciamento de genomas: uma parceria do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP) e do Instituto Adolfo Lutz (IAL) com a Universidade de Oxford, por exemplo, permitiu que todas as etapas fossem concluídas em 48 horas, quando o tempo médio era de 15 dias.
Mapear o genoma de um vírus é fundamental para descobrir a região onde está localizado, há quanto tempo e com que velocidade se movimenta. Assim, é possível traçar estratégias para frear a disseminação. Também é crucial para pesquisas de vacinas e para a realização de testes de diagnóstico.
— Na pandemia, temos o exemplo clássico de como a ciência, com investimento e compartilhamento de informação, avança. Veja que as vacinas contra a Covid-19 geralmente têm os nomes atrelados de duas instituições, porque compartilharam informações. E os investimentos foram fundamentais para avançar nos testes (em humanos), especialmente na terceira etapa. A ciência se constrói dessa forma — diz Rafael Barreto Almada, presidente do Conselho Regional de Química – Terceira Região (Rio de Janeiro).
Professor do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), Almada lembra que, logo depois da chegada da doença ao país, várias universidades se mobilizaram para fabricar e doar álcool gel:
— No início o álcool gel sumiu do mercado, porque o principal produto que dá o aspecto gelatinoso, carbopol, é importado. O uso de outros polímeros foi estudado e aperfeiçoado. O mesmo aconteceu com o álcool líquido para as mãos, que passou a ter substâncias hidratantes. Antes só havia álcool líquido para superfície, que resseca a pele.
Outra frente que teve grandes avanços tecnológicos foi a produção de equipamentos de proteção, como face shields e óculos fabricados em impressoras 3D, e o desenvolvimento de tecidos para máscaras que neutralizam a ação do vírus. Também a criação de novos respiradores e oxímetros ajudou a aumentar a oferta e baratear os equipamentos. Na robótica, drones fizeram alertas à população, e máquinas distribuíram refeições aos infectados em hospitais. A telemedicina é mais um exemplo de prática que deu um grande salto.
— Pela longa duração da pandemia, acredito que os protocolos de proteção e o uso de novos equipamentos serão incorporados daqui para a frente — afirma Almada.
Vacina traz esperança
Países se mobilizaram e conseguiram em tempo recorde produzir e aplicar os imunizantes, única saída para frear o avanço da Covid-19. No Brasil, imagens das pessoas vacinadas tomam conta das redes sociais
Os números de vítimas da Covid-19 continuam a ser monitorados com angústia no mundo inteiro, mas, desde o início de 2021, vêm acompanhados de uma estatística que traz esperança: os crescentes índices de vacinação.
Apesar do ritmo ainda lento no Brasil, as imagens de idosos e profissionais de saúde sendo vacinados tomam conta das redes sociais e são um alívio no momento mais grave da pandemia. A população percebeu que ciência e saúde caminham juntas e não há saída milagrosa: somente a imunização é capaz de frear o avanço da doença.
— Vacinar o mais rápido possível o maior número de pessoas, especialmente as do grupo de risco, reduzir hospitalização e mortes: esse é o objetivo da campanha — afirma o pediatra Renato Kfouri, primeiro-secretário e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
— A Covid-19 é uma doença viral, que se transmite muito facilmente. Não há uma droga que mate o vírus, não há tratamento precoce. Para essas doenças, as vacinas assumem um papel crucial. Assim foi com o sarampo, a paralisia infantil, a varíola, a febre amarela.
A agilidade no desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 surpreendeu a comunidade internacional, destaca o médico:
— Nem o mais otimista investigador imaginava que, em menos de um ano do sequenciamento genômico, do vírus descoberto, nós tivéssemos não uma, mas meia dúzia de vacinas aprovadas, licenciadas, aplicadas, seguras, de alta eficácia. Claro que se partiu de plataformas já desenvolvidas em vacinas para outros coronavírus, para ebola, não começamos do zero. Tivemos um desenvolvimento tecnológico muito acelerado na questão dos genomas e nunca tivemos tanto recurso investido. Praticamente todas as vacinas iniciaram sua produção antes do fim do estudo. No momento em que a vacina foi licenciada, no dia seguinte começou a aplicação.
O Brasil tem acordos de transferência de tecnologia e até o fim do ano produzirá 100% das vacinas Coronavac (Instituto Butantan/Sinovac) e AstraZeneca (Fiocruz/Oxford). Atualmente são as duas vacinas aplicadas nos brasileiros, com parte dos insumos importada. O Butantan pedirá à Anvisa autorização para testes clínicos em humanos da Butanvac. Se aprovada, será a primeira vacina desenvolvida e produzida no país.
O acompanhamento dos indivíduos vacinados é fundamental para observar o comportamento dos imunizantes, a duração da proteção da vacina e a eficácia em novas variantes. Outro aspecto importante é que as vacinas são muito eficazes para prevenir as formas graves da Covid-19, diminuindo as internações e as mortes. Mas, nesta etapa da vacinação, mesmo os imunizados devem manter as medidas de proteção, para evitar as formas mais leves da doença e a transmissão.
— A pessoa deve continuar se protegendo para não adoecer. Mesmo que o indivíduo vacinado não fique doente, pode ter contato com o vírus e transmitir para outros, não vacinados. É também uma questão de respeito ao próximo. É preciso participar desse pacto coletivo de uso de máscara, manutenção do distanciamento, das regras do convício social e da empatia pelos outros — afirma Kfouri.